quarta-feira, 9 de julho de 2008

Na última mesa da FLIP 2008, escritores lêem trechos de obras marcantes

Com oito dos mais destacados autores desta FLIP sentados no palco, em semicírculo, e o público já em clima de saudade antecipada, a idealizadora do evento, a inglesa Liz Calder, e o diretor de programação desta edição, Flávio Moura, abriram com breves palavras a última sessão das vinte que ocorreram, ao longo de cinco dias, na enorme tenda branca montada à beira do rio. O mediador Angel Gurría-Santana, sentado em uma das pontas do arco de convidados, apenas os nomeou, sem apresentá-los, já que todos eram figuras conhecidas da platéia. Nessa última noite, como já é de praxe, cada um deles devia ler ao microfone um texto curto, ou o fragmento de uma obra maior, que considerasse referencial ou significativo.
A nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, radicada nos Estados Unidos, abriu a rodada de leituras com um trecho do romance The autobiography of my mother, de Jamaica Kincaid. Na seqüência, Nathan Englander, após pedir desculpas pelo acento nova-iorquino, leu o último parágrafo de um famoso conto de John Cheever, Goodbye, my brother, que descreve a cena em que duas mulheres belas, e nuas, saem do mar. Perto do final, o texto se acelera, se intensifica, e quase ganha o andamento do fluxo de consciência, técnica literária criada no início do século XX que tem pontuação mais elástica e enfatiza os estados interiores dos personagens.
Mantendo a seqüência com autores de língua inglesa, a britânica Zoë Heller leu um trecho de um livro que pegou ao acaso, na estante, “num verão chuvoso de muito tempo atrás, quando eu tinha doze anos e estava deprimida”. Por coincidência, a protagonista da história era também uma menina na mesma faixa de idade de Zoë, “ansiosa por crescer logo e se sentir livre”. O sotaque britânico se manteve na voz de Neil Gaiman. O mago dos quadrinhos também recorreu a um texto que marcou sua infância, The Thirteen Clocks, de James Thurber, que leu pela primeira vez aos sete anos e que retomou com prazer, conforme disse, muito tempo depois.
No centro do arco, Cíntia Moscovich, única representante do Brasil nesse octeto, desculpou-se por não apresentar um texto de autor nacional, que, como observou, talvez houvesse sido mais apropriado para a ocasião. Leu, em português, um longo trecho do livro De amor e trevas, do israelense Amos Oz, no qual um homem e seu filho tomam todas as providências práticas para delimitar uma diminuta área, em torno da casa, para fazer uma horta. Ao lado dela, Alessandro Baricco usou o inglês para se dirigir ao público, mas depois lançou mão de sua língua materna para ler um trecho da versão em italiano de O apanhador em campo de centeio, o clássico de J. D. Salinger. “Há quinze anos, eu me reuni com quatro pessoas mais inteligentes que eu para levarmos adiante um projeto de contar histórias em uma escola”, contou Baricco. “E na porta dessa escola está escrita a última frase desse livro.”
Voltamos à língua inglesa com Tom Stoppard. Ele selecionou três pequenos textos de um livro não muito conhecido do jovem Ernest Hemingway, In our time, publicado em 1925. Mas lá já aparecem as marcas registradas do autor: a tourada, tema recorrente em sua obra, e a linguagem sincopada, precisa, feita de frases curtas, despidas de fricotes e adjetivos, no estilo imitado por toda uma geração de escritores e jornalistas no mundo inteiro.
Para fechar a noite, o aplaudido holandês Cees Nooteboom, apontado nos últimos anos como sério candidato ao Nobel, recorreu ao texto, também na versão inglesa, da imensa obra de quatro mil páginas de Em busca do tempo perdido. “Proust estava morrendo quando escreveu isso”, explicou Nooteboom. “Mas continuava a escrever e a corrigir o que havia escrito. Essas são as últimas páginas escritas por ele. É o que vou ler agora para vocês”.

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