terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Lula, o filho do Brasil


Lula, o filho do Brasil
3ª edição atualizada

de Denise Paraná


Páginas: 528

Em sua 3ª edição, atualizada, esta biografia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mais completo levantamento sobre a trajetória do maior líder popular do Brasil. No livro, Lula fala sobre si mesmo como nunca falou. Abrindo as janelas da memória, retoma as primeiras lembranças da infância, conta dos sonhos e conquistas, sem esquecer as derrotas e os sofrimentos.

Leia a apresentação do Livro feita por
Antonio Candido

Este livro, dos mais interessantes que tenho lido ultimamente, é muito oportuno pelo que traz de informação e reflexão sobre a condição das classes desvalidas no Brasil. Mas também pelo que esclarece sobre um dos fatos políticos mais importantes e inovadores do nosso tempo: a constituição e o desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores. O seu núcleo central é uma coleção de entrevistas do maior interesse com Luiz Inácio Lula da Silva e seus irmãos, equivalendo a um panorama do comportamento e dos sentimentos das classes oprimidas. Mas este aspecto individual e íntimo se apóia numa sólida reflexão teórica, que o leitor encontrará no fim, e fornece os elementos para a sua interpretação adequada. Nela, Denise Paraná estuda a passagem da “cultura da pobreza”, conceito tomado ao livro clássico de Oscar Lewis, à “cultura da transformação”, conceito que elabora com pertinência e força interpretativa. A estes dois blocos se junta um terceiro: a conclusão de toque psicanalítico, onde Denise tenta explicar o comportamento de Lula por intermédio de suas relações com os pais – e isso importa em complementar, de maneira ousada, o aspecto sociológico com o aspecto psicológico. Como se vê, o material é variado e difícil de coordenar, mas Denise soube integrá-lo de maneira clara e convincente, usando uma linguagem agradável, expressiva, que faz a leitura fluir. O método pertence ao que hoje se chama “história oral”. Antes, era algo usado sobretudo em antropologia, sociologia e psicologia, com base nas “histórias de vida”, isto é, a colheita direta de dados interessantes da biografia de pessoas representativas do grupo estudado, por meio de entrevistas. O casamento de história, psicologia, sociologia e antropologia é fecundo, pois ajuda a alargar a compreensão. Para os historiadores, é provavelmente um meio de penetrar em outras disciplinas, o que ajuda a trazê-los para o concreto do mundo contemporâneo. Apesar de serem principais a matéria específica da parte introdutória, a das entrevistas e a da conclusão, neste prefácio quero destacar um aspecto que no caso é lateral, mas está presente em todo o livro e é central na vida brasileira: de que maneira o estudo de uma família pobre do Nordeste e do singular destino de seu filho caçula esclarece a formação do Partido dos Trabalhadores, que a autora vê como sendo, em parte, decorrência da dinâmica de grupos economicamente e socialmente marginalizados, que procuram retificar a sua posição pelo esforço dos seus elementos mais conscientes. Este livro mostra como a condição alienada de vida influi na estrutura e no comportamento de um grupo familiar, como deste emerge o maior dirigente operário que o Brasil já teve e como ele se transforma em líder político da mais alta importância. Portanto, o que no momento quero destacar é a correlação entre “cultura da pobreza”, “cultura da transformação” e conduta política, através da vida e das idéias de Lula, inclusive porque o que este livro traz como informação a respeito é importante para a história da esquerda no Brasil. Antes da carreira vitoriosa de Lula e do pt, a esquerda brasileira (não refeita em seus setores mais atuantes do choque causado pelo xx Congresso do Partido Comunista da União Soviética) ainda tinha parâmetros que vinham do passado e significavam adesão aos perigosos mecanismos da certeza absoluta, das fórmulas prontas e impositivas, nascidas no seio do marxismo oficializado e revestido de um dogmatismo que, sufocando o debate livre, impedia a análise correta da realidade. A esta circunstância se somava a idéia de que, sendo a União Soviética considerada guia infalível do socialismo no mundo, os seus interesses próprios eram ao mesmo tempo o interesse de todos os trabalhadores, em qualquer país. No quadro da degenerescência burocrática do stalinismo, essa combinação de marxismo mecanizado e política exterior soviética podia gerar distorções trágicas, das quais tivemos exemplos no Brasil. É verdade que na esquerda brasileira dos anos de 1940 a 1950 houve tentativas de definir um tipo de socialismo democrático capaz de promover movimentos político-sociais que levassem à verdadeira transformação da sociedade no rumo das igualdades essenciais: a econômica, a educacional, a sanitária. Mas foram tentativas de atuação reduzida, que não chegaram a ligar-se de maneira ponderável e constante aos maiores interessados, isto é, os operários, os lavradores assalariados e de maneira geral os que, como eles, pertencem às categorias de remuneração mínima. Foi o caso do Partido Socialista Brasileiro, inicialmente denominado Esquerda Democrática, fundada em 1945, que teve bastante atividade, sobretudo no nível legislativo e no movimento das idéias, até o seu fechamento pela ditadura militar em 1965. Ele foi uma tomada de posição que se pode considerar histórica, e os seus antigos militantes (como eu) poderiam subscrever o que disse Lula em entrevista registrada neste livro: “A verdade é que nós tínhamos duras críticas ao socialismo real existente. A nossa briga dentro do pt – depois da queda do muro de Berlim isso mudou muito, e mudou também porque tem outras correntes dentro do pt – era porque a gente nunca aceitou o modelo soviético como um modelo alternativo da sociedade, nós nunca aceitamos. Nós fazíamos críticas ao socialismo porque não admitíamos uma sociedade socialista sem liberdade de expressão, sem direito de greve, sem partidos políticos de oposição. Eu já tinha estas informações todas. Não era possível você falar em democracia com um partido só, com sindicatos sem poder fazer greve, sem as pessoas poderem criticar o partido que estava no poder. Nessa época a gente já fazia estas críticas. Por isso eu me sinto à vontade hoje. Hoje é muito fácil criticar o socialismo real. Só que a gente criticava já naquela época. Os setores de esquerda que liam as cartilhas de Moscou achavam que nós éramos da cia. Hoje eles fazem o discurso que nós fazíamos 20 anos atrás, mas não fazem autocrítica.” Esta era pouco mais ou menos a posição do Partido Socialista Brasileiro desde 1945 e lhe valeu por muitos anos ataques desabridos por parte do comunismo oficial. Penso que nesse sentido o Partido dos Trabalhadores retomou a sua tradição, dando-lhe, é claro, um caráter operativo que ele nunca alcançara, pois era sobretudo partido de cúpula, ao qual faltava (além de grandes lideranças) o que faz o êxito do pt e marca o seu papel histórico: a iniciativa e a participação em larga escala do operariado, por meio de lideranças próprias, que desse modo criaram o enquadramento prático para a reflexão ideológica[1]. Nesse sentido, a análise de Denise Paraná me parece exemplar, pois explica o surgimento e a natureza do pt como fruto de uma convergência dinâmica, em determinada conjuntura histórica, da iniciativa sindical, de aspirações difusas cujo alvo é a igualdade econômica e da liderança de Lula. Este, com muita clarividência, afirma a certa altura da sua entrevista: “Por isso eu digo sempre que eu sou o fiel resultado do crescimento da minha categoria. Nem mais nem menos. À medida que ela avançava, eu avançava, à medida que ela não avançava, eu não avançava. Eu não era representante de mim mesmo, era representante deles. No mínimo eu teria que ser fiel àquilo que eles queriam”. Lula não apenas foi “representante” de grupos e aspirações, mas tem consciência disso e não quer ser outra coisa, o que afasta completamente os traços de caudilhismo e demagogia com que alguns maus observadores quiseram caracterizá-lo. E o livro de Denise Paraná é uma espécie de explicação fundamentada dessa natureza especial de um grande líder possuído pela idéia de serviço coletivo. Ressalto esta circunstância para lembrar que a ausência de intuito caudilhesco em Lula tem como correspondente um traço característico do pt, do ponto de vista ideológico: a ausência de ortodoxia e de dogmatismo, o que tem levado alguns a considerá-lo um amorfo saco de gatos. É que estamos tão habituados à herança do século xix que no fundo estranhamos quando, na esquerda, a convicção política procura evitar o dogma e a unidade absoluta. Apesar de falar-se cada vez mais em pluralismo, não se entende que um partido socialista, cujo alvo definido é de fato o socialismo, possa ser aberto sem ser concessivo, experimental e tolerante sem ser informe. Ora, nesse momento de crise da teoria e da prática do socialismo, como avançar para o futuro sem tatear, tentar, combinar e procurar enriquecer-se mediante o recurso a várias fontes, até que se possam definir dominantes ideológicas renovadas? O pt é um partido vário, cheio de contradições vitais. Por isso mesmo é vivo e pode ser experimental, ajustar-se à realidade e caminhar com firmeza para um tipo de socialismo ajustado à nossa realidade, capaz de escolher no arsenal ideológico os instrumentos adequados à ação política transformadora desse Brasil pesado de iniqüidades seculares. Trata-se por enquanto de modular, mobilizando ensinamentos do marxismo (ponto indispensável de referência), do novo cristianismo social, das tendências democráticas radicais. Para esse tipo de orientação, Lula é um líder extremamente funcional (digamos assim), pelo fato de não ter concepções teóricas pré-fabricadas e imutáveis, além de não ter o corte perigoso dos caudilhos. Este livro esclarece isso e muita coisa mais, fazendo o leitor sentir como o dirigente e o partido se construíram como vasto esforço para arrancar os oprimidos da “cultura da pobreza” e, passando pela “cultura da transformação”, aqui encarnada em Lula e sua família, lutar por aquilo que é a essência do socialismo: o esforço para chegar a uma sociedade na qual a distribuição dos bens seja pelo menos tão importante quanto a sua produção. O atual predomínio desta tem levado a privilegiar os interesses financeiros e, assim, a impedir ou a desvirtuar a realização das aspirações de justiça social, que seria o coroamento do processo desencadeado pela “cultura da transformação”.

*Antonio Candido é doutor em Ciências Sociais e em Literatura, professor titular aposentado de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo. *[1] Sobre o Partido Socialista Brasileiro (agora ressurgido), ver o livro recente de Miracy Barbosa de Sousa Gustin e Margarida Luiza de Matos Vieira, Semeando democracia. A trajetória do socialismo democrático no Brasil, Contagem, Editora Palese, 1995.












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