terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sob o céu de Samarcanda

Sob o céu de Samarcanda
de
Ruy Espinheira Filho

edição conjunta da Bertrand Brasil
e da Biblioteca Nacional.


Indiscutivelmente um dos maiores poetas brasileiros da segunda metade do século XX, Ruy Espinheira Filho retorna a alguns dos temas mais caros à sua poesia – a fugacidade do tempo, o sentimento de perda, o erotismo como alento – , vazados na límpida dicção que caracteriza sua produção poética. O que nos permitem entrever estes versos é que, seguindo uma tendência já perceptível em seu livro anterior, “Elegia de Agosto” (2005), a poesia de Ruy Espinheira parece caminhar mais próxima das sombras, sem contudo entregar-se a elas; é esse um poeta cujo estro as visita e renova, forjando em cada verso um preito à beleza. Que “Sob o céu de Samarcanda” venha, enfim, dar prosseguimento a uma obra ímpar no universo literário brasileiro.


TRÊS POEMAS DE RUY ESPINHEIRA FILHO


CANÇÃO DO EFÊMERO COM PASSARINHO E BRISA

É tudo mesmo bem pouco,
pois só há pouco me vi
chegando aqui e encontrando
o que nunca compreendi
— tanto que, perplexo, tanto
duvidei de estar aqui.
E nunca acreditaria
se não fosse um passarinho
afirmando: bem-te-vi!

Ainda escuto o seu trinado
garantindo-me o existir.
Mas precária garantia,
como aprendi com a brisa
de que se compõe o dia:
se o tempo passar um pouco,
nada mais que um pouco, logo
não estarei mais aqui.

REFLEXÕES AO CREPÚSCULO

Foi-se o que era alegre e lindo
e veio o que é triste e torvo.
Veio e ficou, frio infindo
como um nunca mais de corvo.

Mas o que existe de infindo?
De nunca mais? O estorvo
pior também se vai, fugindo
como nas asas de um corvo.

E eis que o que é alegre e lindo
exorciza o triste e o torvo.
Mas também não é infindo,
como um nunca mais de corvo.

E assim faz-se a vida: indo
tanto em penugem de corvo
como em alegria abrindo
manhãs no que era torvo.

E quando, um dia, for findo
o prélio entre o lindo e o torvo,
tudo será mesmo infindo,
mais que um nunca mais de corvo.

SONETO DO NOME
A noite vem do mar cheirando a cravo.
Sosígenes Costa


A noite vem do mar e traz teu nome,
que há muito tempo já não pronuncio.
Sonoro, ele revoa no vazio
de mim, sobre meus lábios. O teu nome

vem do mar nesta noite e me consome
mais uma vez. Reinventa, em chama e frio,
uma cidade em que nada é vazio,
pois em tudo há o perfume do teu nome.

E agora a lua vem beijar-me o rosto,
e é também teu perfume, que consome
a treva em minhas velas de sol-posto.

Sob esta luz o mundo inteiro some:
só há o luar compondo em mim teu rosto,
e o mar, que arde no aroma do teu nome.

um lançamento










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