sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Derrota do Conquistador das Quatro Direções

A Derrota do Conquistador
das Quatro Direções




Da obra Chaitanya-Bhagavata,

de Vrindavana dasa Thakura,

Adi-khanda, Capítulo 13



Uma grande comunidade de panditas (estudiosos eruditos), formada por centenas de milhões de professores a regerem diversos gêneros de livros e escrituras, residia em Navadvipa à época do advento do Senhor Chaitanya Mahaprabhu à Terra. Títulos como “bhattacharya”, “cakravarti”, “mishra” e “acharya” eram comuns, e a única ocupação desses letrados era ensinar. A diversão deles era fazerem debates entre si, e, a seu modo intolerante e impaciente, faziam tudo o que fosse necessário para vencer a discussão. Mesmo que o oponente fosse excelente como Brahma e apresentasse pontos válidos, estes seriam recusados.



Diante de grandes platéias, o Senhor Chaitanya sempre repreendia, um a um, todos os grandes eruditos e invalidava seus argumentos. Não havia ninguém capaz de derrotar o Senhor e de estabelecer uma opinião diferente da Sua. Quando os professores de Navadvipa viam o Senhor, o medo nascia em seus corações. Abaixando suas cabeças, eles fugiam de Chaitanya tão rápido quanto podiam. Tornava-se Seu servo submisso qualquer um que acaso conversasse com o Senhor.



A erudição e a inteligência exibidas por Chaitanya desde tenra idade eram conhecidas por todos. Também era conhecido pelo coração de todos que o Senhor não podia ser derrotado por pessoa alguma. No instante em que avistavam Chaitanya, um sentimento de respeito e temor se fazia presente entre os estudiosos, tornando-os espontaneamente submissos. Sob o encanto de Yogamaya, todos eram impedidos de conhecer a verdadeira identidade de Chaitanya. O Senhor não Se revelando voluntariamente, não há nenhuma possibilidade de alguém conhecê-lO. O Senhor Supremo é a personalidade mais munificente e, por Seu desejo pessoal, todos foram confundidos por Sua Yogamaya. Assim, com Sua identidade a todos desconhecida, o transcendental Senhor Gauracandra seguia desfrutando em Navadvipa do humor estudantil.



Ansiedade em Navadvipa



Certa vez, um desdenhoso e arrogante pandita – que ostentava o título de digvijayi, aquele que conquistou todas as direções – chegou a Navadvipa. Ele era um dedicado devoto da deusa da sabedoria, Sarasvati. Cativando-a pelo cantar de seu mantra, o pandita obteve o favor dela. A deusa Sarasvati é uma forma de Laksmidevi, que reside eternamente no peito de Seu esposo, Visnu. Ela é a mãe do universo e a personificação do serviço devocional a Deus. Muito afortunado, o brahmana teve atendido seu desejo de ver Sarasvati diante de seus olhos. Ela concedeu-lhe a graça: “Você será vitorioso em todos os três mundos”. Se, com seu mero olhar ela pode outorgar o raro benefício do serviço devocional ao Supremo Senhor Visnu, ela ter o poder para tal bênção não é em nada surpreendente. Tendo recebido esse favor diretamente de Sarasvati, o brahmana colocou-se a viajar por todo o país derrotando todos por onde passava. Todas as escrituras residiam em sua língua. Ninguém deste mundo seria capaz de vencê-lo. Muitos não eram nem mesmo capazes de acompanhar a introdução de suas explicações. Sem conhecer o significado da palavra “derrota”, ele viaja por toda parte.



A fama de Navadvipa ter uma comunidade de intermináveis eruditos chegou a seu conhecimento. Após ter conquistado todas as demais direções, o erudito digvijayi, acompanhado por cavalos, elefantes e homens opulentamente vestidos, apeou-se em Navadvipa. A notícia se espalhou como um incêndio. Em toda casa e assembléia de panditas, um grande tumulto se fez. “Tendo conquistado os estudiosos de todas as terras, o digvijayi está agora em nossa cidade”, diziam todos. Ao saberem que ele havia recebido uma bênção direta de Sarasvati e que a deusa o tratava como se fosse sua própria mãe, os professores de Navadvipa ficaram ainda mais ansiosos. Eles diziam: “Navadvipa conquistou todos os outros centros de estudo de Jambudvipa, e isto nos faz famosos em todo o mundo”. “Se esse digvijayi derrotar nossos eruditos, as pessoas por todo o mundo diminuirão nossa cidade e conversarão sobre como Navadvipa perdeu sua glória”. “Mas tendo Mãe Sarasvati o agraciado pessoalmente, quem será destemido e poderoso o bastante para duelar com ele? Se Sarasvati pessoalmente seleciona as palavras a se manifestarem de sua língua, então como poderá um ser humano comum derrotá-lo?”. Dessa maneira, milhares e milhares de versados bhattacharyas tiveram seus corações invadidos pela ansiedade. Tamanha era essa ansiedade que nenhuma atividade conseguiam realizar. Com a proximidade do iminente duelo intelectual, um grande alvoroço se instalou em Navadvipa. “Precisamos encontrar um grande pandita!”.



Tudo isso foi descrito em detalhes ao Senhor Chaitanya por Seus alunos. Eles disseram: “Após ter conquistado todas as direções com as bênçãos de Sarasvati, esse pandita invicto veio desafiar nossos eruditos a um debate. Acompanhado por uma hoste de cavalos, elefantes, palanquins e homens, ele chegou a Navadvipa. Com ninguém se apresentando para debater com ele, ele está exigindo que se faça uma carta oficial declarando sua vitória sobre nós”.



Ouvindo as palavras de Seus estudantes, o Senhor Chaitanya, esplêndido como um topázio, sorriu e os lembrou acerca da natureza do Absoluto. “Por favor, Meus irmãos, escutem-Me e lhes direi a verdade. A Suprema Personalidade de Deus é intolerante a contínuo falso orgulho. Sempre que vê alguém sobrecarregado pela presunção das próprias qualidades, Ele invariavelmente remove a causa desse orgulho. Assim como uma árvore com muitos frutos se curva, o natural é que uma pessoa com boas qualidades também assuma a postura humilde de se curvar. Vocês devem ter ouvido falar de outros grandes conquistadores, como Haihaya, Nahusa, Vena, Banasura, Narakasura e Ravana. Analisem o que aconteceu a eles e Me respondam: o falso prestígio deles não foi reduzido a pó? O Senhor Supremo nunca tolera esse tipo de insolência infame. Aqui em Navadvipa, vocês testemunharão o fim do orgulho desse pandita”.



O Digvijayi Encontra-Se com o Senhor Chaitanya



Após assim se divertir conversando com Seus alunos; ao entardecer, o Senhor foi com eles para a beira do Ganges. Depois de respingar água do Ganges sobre Sua cabeça e oferecer reverências a Ganga, o Senhor Chaitanya, não outro senão o próprio Senhor Hari, sentou-Se em meio aos Seus estudantes. Era imenso o círculo de estudantes ao redor do Senhor. Ali, às margens do rio sagrado, o Senhor alegremente palestrou sobre vários temas, como escrituras e princípios religiosos. Ninguém, entretanto, pôde notar que o Senhor estava simultaneamente pensando em uma maneira pela qual Ele poderia derrotar o erudito digvijayi. “Tornou-se tão orgulhoso esse brahmana que ele pensa não haver ninguém no mundo capaz de derrotá-lo”, pensava o Senhor enquanto dava aula. “Se Eu o derrotasse na frente de todos, isso seria uma humilhante morte para ele. Todos iriam desonrá-lo, suas opulências se perderiam e a humilhação acabaria por tirar-lhe a vida. Como não quero destruir o brahmana, mas sim seu orgulho, irei, portanto, confrontá-lo secretamente em um local solitário”. Enquanto o Senhor Supremo pensava dessa maneira, o digvijayi chegou ao local onde o Senhor palestrava.



No que o entardecer tornou-se noite, o Ganges parecia radiante sob a lua cheia do céu sem nuvens. À beira do Ganges, acompanhado por Seus estudantes, estava a Suprema Personalidade de Deus, cuja belíssima forma cativa toda a criação. Um sorriso doce decorava Seu rosto refulgente, e Seus dois olhos de lótus distribuíam olhares reluzentes. Seus dentes impecáveis ridicularizavam pérolas, e Seus lábios eram facilmente confundidos com o nascer do sol. Com Seu corpo macio e delicado, Chaitanya personificava a compaixão e a misericórdia. Cabelos encaracolados, negros como corvos, embelezam Sua cabeça. Seu pescoço, belo como o de um leão, repousava harmoniosamente sobre Seus ombros similares aos de um elefante. Sua aparência era extraordinária. Seu corpo de proporções perfeitas era alto e com peito largo, e Seu coração era reinado por Sua natureza munificente. Suas roupas eram elegantes, e o cordão bramânico repousado sobre Seu ombro era o próprio Senhor Ananta Shesha. Seus longos braços se estendiam até Seus joelhos, e a tilaka Vaishnava a decorar Sua testa larga enlevava o coração de todos. Com Seu dhoti elegantemente preso à Sua cintura, Chaitanya estava sentado com as pernas cruzadas como as de um yogi. O Senhor palestrava à Sua maneira usual – estabelecia um ponto, refutava-o e então refutava Sua refutação. Assim estava o glorioso e belo Mahaprabhu cercado de estudantes por todos os lados.



A visão do Senhor e de Seus associados abismou o erudito digvijayi. Ele se perguntou: “Será Ele Chaitanya Pandita?”. Sem ser notado, o digvijayi ficou de pé ali, incapaz de desviar o olhar da beleza do Senhor. Ele então perguntou a um dos alunos quem era aquele professor. “Ele é o famoso Chaitanya Pandita”, obteve por resposta. Após oferecer suas reverências ao Ganges, o brahmana aproximou-se um pouco mais do Senhor. Ao vê-lo, Chaitanya lhe sorriu e afetuosamente o convidou a se sentar na assembléia. Por todas as suas conquistas já realizadas, o digvijayi era naturalmente destemido. Na presença do Senhor, todavia, ele estava temeroso. Pelo arranjo do onipotente Senhor Supremo, experimenta tanto deslumbre quanto temor todo aquele que se aproxima dEle em postura de desafio.



Versos ao Ganges



O Senhor, após trocar algumas poucas palavras com o brahmana, fez-lhe um pedido. “Você é um poeta extremamente habilidoso”, disse o Senhor. “Não há nenhum tema que você não possa descrever com perfeição. Por favor, descreva, então, um pouco das glórias do Ganges de sorte que qualquer um que ouça esses versos possa se livrar de todo pecado”. Quando Chaitanya finalizou Seu pedido, o digvijayi imediatamente começou a compor e recitar versos em glorificação ao rio sagrado. Seus versos improvisados eram recitados velozmente. Quem na assembléia era capaz de entender a grande sofisticação daquelas palavras? Os poemas eram recitados com uma voz grave e profunda. As palavras em sequência pareciam um constante ribombar de trovões. Uma pessoa cuja língua é a morada de Sarasvati certamente profere apenas palavras precisamente apropriadas. Seria humanamente possível encontrar algum erro em sua eloquente composição? Parecia, na verdade, não haver ninguém que pudesse ao menos entender suas palavras.



Ficaram boquiabertos os muitos estudantes de Chaitanya que se reuniam ali. “Rama! Rama! Que maravilhoso!”, eles pensaram. “É possível a um ser humano ordinário compor versos com essa impressionante fluidez?”. Sua composição era precisa e ricamente decorada com as mais requintadas figuras de linguagem. Mesmo os grandes estudiosos versados em todos os livros e escrituras consideraram o seu uso das palavras de difícil compreensão. Por cerca de uma hora, o digvijayi seguiu compondo e recitando seus versos sem paralelo – parecia não haver fim para sua oratória brilhante. Quando ele finalmente terminou, o Senhor sorriu gentilmente e disse: “Sua poética é tão extraordinária que, a não ser que você mesmo a explique, ninguém entenderá. Certamente são apropriados para a glorificação do Ganges os versos compostos por você, mas lhe solicitamos que, por favor, explique-os a nós”.



As doces palavras do Senhor afetaram-no como um intoxicante, e ele começou a explicar os seus versos, mas, assim que o brahmana começou sua explicação, Chaitanya o interrompeu e apontou três erros na composição do pandita – um no começo, um no meio e um próximo ao final. O Senhor disse: “Essas figuras de linguagem usadas por você, segundo os livros autorizados, estão empregadas de forma imprecisa. Qual explicação você irá nos apresentar para que possamos entender que o emprego feito por você é possível?”, perguntou o Senhor Chaitanya. O grande pandita conquistador das quatro direções, o mais querido dos filhos de Mãe Sarasvati, não foi capaz de dizer uma única palavra em sua defesa. Sua inteligência havia desaparecido. Por cinco ou sete vezes, ele tentou apresentar explicações para refutar os erros apontados pelo Senhor, mas quanto mais tentava se defender, mais críticas Chaitanya lançava sobre seus versos e explicações. O talento inigualável do brahmana parecia ter-se desvanecido. Ele nem mesmo sabia ao certo quem ele era ou onde estava. O Senhor então disse: “Tudo bem. Esqueçamos este poema. Componha outro para nós”, mas o grande conquistador do mundo foi incapaz de compor um único verso sequer – ele apenas olhava para o Senhor completamente perplexo.



A Grandeza e a Misericórdia de Chaitanya Mahaprabhu



Se mesmo os Vedas personificados ficam confusos quando diante do Senhor, o que há de surpreendente na perplexidade deste brahmana na mesma situação? Poderosas personalidades como Ananta Shesha, Brahma e Shiva, poderosas a ponto de poderem criar um universo meramente pelo olhar, também perdem todo referencial quando na presença do Supremo. Não há, portanto, nada de espantoso no assombro do brahmana diante do Senhor. Mesmo Laksmi, Sarasvati, Yogamaya e outras potências internas do Senhor, capazes de iludir toda a criação, também ficam desnorteadas na presença do Senhor – esta é a razão para elas aceitarem uma posição humilde diante dEle. Se o Senhor Ananta Shesha, o recitador dos Vedas, e Sri Vedavyasa, o compilador dos Vedas, ficam confusos na presença do Senhor, o que se poderia esperar de um reles erudito digvijayi? É impossível a um homem igualar os feitos do Senhor. Portanto, eu digo: todas as atividades do Senhor são extraordinárias. E toda atividade do Senhor Supremo, em sua essência, tem por fim beneficiar e resgatar as sofredoras almas condicionadas.



Enquanto o pandita esforçava-se para aceitar sua derrota, todos os estudantes começaram a rir e gargalhar. O Senhor, no entanto, deu ordem para que parassem, e deu ao brahmana palavras em tom amigável. “Por hoje, volte, por favor, para o local onde você está hospedado. Amanhã irei conversar com você. Você deve estar cansado após ter composto um poema tão extenso. E já é um tanto tarde. Por favor, vá descansar agora”. Era tão gentil e compassivo o comportamento do Senhor que mesmo a pessoa derrotada por Ele não se sentia infeliz. Embora sempre os derrotasse, o Senhor dava grande prazer a todos os professores de Navadvipa. Novamente, Ele disse ao erudito digvijayi: “Por favor, vá para casa agora e releia seus livros. Amanhã irei lhe fazer novas perguntas e você deverá tentar respondê-las”. O Senhor era tão compassivo que, apesar de sempre sair vitorioso, Ele não desonrava Seus oponentes, daí ser tão querido. No íntimo de seus corações, todos os estudantes e professores de Navadvipa amavam Chaitanya.



Sarasvati Revela a Identidade do Senhor



Acompanhado por Seus estudantes, o Senhor retornou à Sua casa. O digvijayi, entretanto; sentindo-se humilhado e deprimido, permaneceu sentado onde estava. Melancólico, ele pensava: “Mãe Sarasvati me deu pessoalmente sua bênção, Ela disse que eu jamais encontraria neste mundo alguém versado em nyaya, sankhya, patanjala, mimamsa, vaisheshika ou vedanta o suficiente para ousar desafiar minha autoridade. Como é possível que a providência tenha autorizado eu ser derrotado por um brahmana que ensina gramática a crianças? Ver o poder de Sarasvati diminuído dessa maneira me causa igual consternação. Para que todo o meu talento se depreciasse nessa derrota humilhante, teria eu ofendido a deusa? Buscarei pela resposta imediatamente”. Com isto, ele sentou-se para cantar seus mantras.



Enquanto cantava, o desalentado brahmana dormiu. Então, em seu sonho, Sarasvati veio até ele. Lançando-lhe um olhar misericordioso, a deusa revelou um grande segredo ao poeta erudito. “Escute, Ó excelente brahmana. Irei revelar a você algo desconhecido mesmo aos Vedas. Se por qualquer razão você revelar este segredo a outrem, você perderá imediatamente o seu corpo. O Senhor Supremo de toda a manifestação cósmica é a identidade verdadeira de quem hoje o derrotou. Embora eu seja a criada responsável por cuidar eternamente do conforto de Seus pés de lótus, devido à timidez, hesito ficar diante dEle. Ó brahmana, eu havia prometido que ficaria em sua língua – na presença do Senhor, todavia, não me foi possível. Se mesmo o Senhor Ananta Shesha, que recita os Vedas com Suas inúmeras bocas, bem como Brahma, Shiva e os demais semideuses que adoram o Senhor Supremo ficam completamente perdidos em Sua presença, como se poderia esperar de mim algo diferente? Chaitanya é a Suprema Verdade Absoluta. Ele é eterno, completamente puro, indivisível, infalível, perfeito e completo, e reside no coração de todos como a Superalma. Eu sei ter dito que você teria conhecimento pleno de karma, jnana e de todas as ciências auspiciosas e inauspiciosas. Permita-me explicar-lhe a causa de todo este conhecimento ter sido destruído: esse jovem brahmana Chaitanya não é outro senão a Suprema Personalidade de Deus, a causa última da destruição de todo o cosmo manifesto. Ó brahmana, por favor, tenha por certo que qualquer felicidade ou aflição que chegue a alguma criatura, de Brahma à mais baixa delas, chega sob a ordem do Senhor. Escute, por favor. Matsya, Kurma e todas as encarnações vêm dEle. Ó brahmana, nada é separado dEle visto ser Ele o Senhor Supremo em pessoa. Este Chaitanya apareceu anteriormente como Varaha e resgatou a Terra e novamente apareceu como Nrsimhadeva para a proteção de Seu devoto Prahlada. Ele também apareceu como o Senhor Vamana e enganou Bali Maharaja, e assim Seus pés se tornaram a fonte do Ganges. Aparecendo em Ayodhya como o Senhor Ramacandra, Ele desfrutou de muitos passatempos, como o de matar o demônio Ravana. O mesmo garoto que foi carregado por Vasudeva até Nanda apareceu agora como o filho de um brahmana e está desfrutando do néctar da vida estudantil. Onde nos Vedas esta forma do Senhor Supremo é descrita? Senão pela vontade do próprio Senhor, ninguém tem o poder de conhecê-lO. Tornar-se o maior erudito de todo o mundo não é o verdadeiro resultado de se cantar o mantra que dei a você. O verdadeiro resultado você acabou de receber – você pôde ver pessoalmente a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor de toda a manifestação cósmica. Ó brahmana, vá sem demora até os pés de lótus do Senhor e ofereça incondicionalmente a Ele o seu próprio eu. Não pense ser o meu conselho alguma espécie de sonho ou alucinação. Em consequência dos mantras cantados por você, tive de vir aqui e lhe contar este que é o conhecimento mais esotérico de todos os Vedas”.



Uma Oração Sincera



Tendo consolado o pandita com essas palavras, Mãe Sarasvati desapareceu. O brahmana, sentindo-se purificado e muito afortunado, despertou então. O alvorecer havia acabado de tocar o céu oriental quando o brahmana saiu em direção à casa do Senhor. Ele atirou-se aos pés de Chaitanya para oferecer seus respeitos, e o Senhor reciprocou levantando-o do chão e o abraçando. “Por que, Ó brahmana, você age desta forma?”, perguntou o Senhor. “Para dessa forma talvez atrair Seu olhar misericordioso”, ele respondeu. “Mas você é um pandita erudito e famoso por ter conquistado as quatro direções. Por que você Me aborda dessa maneira?”.



“Ó rei dos brahmanas, por favor, escute esta minha declaração”, disse o erudito digvijayi. “Adorá-lO é a perfeição de todas as atividades. Você é o próprio Senhor Narayana. Embora as pessoas comuns não possam conhecer Sua identidade verdadeira, Você é definitivamente a Suprema Personalidade de Deus atuando como um brahmana na Kali-yuga. Dúvidas nasceram em meu coração no instante em que Você me fez perguntas e então permaneceu em silêncio. Agora tenho a realização pessoal de que Você é magnânimo e livre de qualquer orgulho – e minha realização está acordante com o veredicto de todas as escrituras Védicas. Por três vezes, Você me derrotou. Você, no entanto, manteve intacta minha honra. Seria esta postura possível a outro além do Senhor Supremo? Estou convencido de que Você é, sem dúvida alguma, a Suprema Personalidade de Deus. Com meu vocabulário, derrotei os melhores panditas de Gauda, Trihuta, Dilli, Kasi, Gujarat, Vijaya-nagara, Kanci-puri, Anga, Vanga, Tailanga, Orissa e de muitas outras localidades. Eles não eram capazes sequer de compreender minhas palavras, o que dizer de encontrar falha em alguma delas. Quando me aproximei de Você, entretanto, não me restou nenhuma erudição ou eloquência. Aonde foi minha inteligência quando em Sua presença, não sei. Hoje sei que aquilo não foi nenhuma proeza para Você, pois Você é o Senhor e amo de Sarasvati. Isto ela me revelou pessoalmente. Eu me revolvia no lamaçal da existência material, mas, em virtude de minha imensa boa fortuna, vim a Navadvipa e me encontrei com Você face a face. Cativado e deludido pelo desejo por conhecimento material, vagueei por toda parte, negligenciando, assim, o verdadeiro conhecimento. O destino me favoreceu e permitiu que eu me encontrasse pessoalmente com Você. Ó Senhor, por favor, seja gentil comigo e, com Seu olhar benevolente, destrua minha ignorância e purifique o meu ser. É de Sua natureza magnânima ajudar os outros. Com exceção de Você, não há ninguém a cujo abrigo eu aspire. Ó Senhor, por favor, instrua-me de sorte que eu nunca mais permita que entrem em meu coração desejos invirtuosos”.



As Glórias do Serviço Devocional



O Senhor Gaurasundara sorriu às palavras do brahmana e lhe respondeu: “Ó brahmana erudito, por ter Mãe Sarasvati residindo sobre sua língua, considero-o muito afortunado. Mas o desejo de conquistar as quatro direções do mundo não é produto do conhecimento verdadeiro. É dito pelos sábios que o conhecimento só é válido e verdadeiro quando fomenta a adoração ao Senhor Supremo. Tente entender isto cuidadosamente e adore a Mim. Quando a morte aborda a alma e a obriga a deixar o corpo, ela não pode levar consigo nem mesmo uma pequena porção de riqueza ou poder que tenha aqui obtido. Os sábios e almas auto-realizadas rejeitam completamente esta existência fenomenal transitória e se ocupam com fé indivisível no serviço devocional ao Senhor. Agora, Ó brahmana, esqueça completamente toda ocupação material e tenha por foco apenas a adoração aos pés de lótus do Senhor Krishna. Até que venha a morte, sirva o Senhor Krishna. Não há dúvidas quanto a isto ser o que deve ser feito. Lembre-se que o fruto do conhecimento verdadeiro é saboreado quando o coração e a mente estão firmemente apegados aos pés de lótus do Senhor Krishna. Escute o importante conhecimento que agora compartilharei com você: de todas as variadas atividades existentes em todos os inumeráveis universos materiais, o serviço devocional ao Supremo Senhor Visnu é a única atividade com valor real”.



Depois de ditas essas palavras, o Senhor Chaitanya abraçou o brahmana com grande satisfação. Em consequência do abraço do rei de Vaikuntha, o brahmana se livrou definitivamente dos grilhões da existência material. Então disse a ele o Senhor: “Ó brahmana, rejeite sua arrogância e insolência, adore o Senhor Krishna e seja gentil com todos os seres vivos. Vigie a si mesmo para que você não revele a ninguém o que lhe contou Sarasvati. A revelação do conhecimento confidencial dos Vedas a pessoas desautorizadas reduz a duração de vida e desvia o revelador do caminho da vida espiritual”.



Tendo recebido as instruções do Senhor, o brahmana ofereceu reverências estendendo-se no chão como uma vara. Repetidas vezes ele reverenciou os pés de lótus do Senhor e ofereceu orações. Certo de que sua vida agora havia alcançado o sucesso, o brahmana partiu. Pelo desejo do Senhor, tanto a renúncia e o conhecimento verdadeiro quanto o serviço devocional tornaram-se companheiros do brahmana. A arrogância e a vaidade do grande pandita se extinguiram e ele se tornou tão humilde e manso como uma folha de grama. Ele renunciou seus elefantes, cavalos, palanquins, dinheiro e tudo o mais que um dia considerara seu. Tendo o Senhor Chaitanya como sua única fonte de felicidade, o erudito digvijayi agora viajava sozinho.



Tamanha é a misericórdia do Senhor Chaitanya que, com ela, um rei pode facilmente trocar seu palácio por uma cuia de esmolas. Um exemplo notório é o de Dabir Khas, que posteriormente ficou conhecido como Srila Rupa Goswami. Abandonando sua posição dentro da realeza, ele passou a viver muito feliz na floresta de Vrindavana. O desfrute de riquezas e prestígio, que todos anseiam por obter, um servo de Krishna rejeita com facilidade. Qualquer pessoa que não tenha compreendido o quão valioso é o serviço devocional ao Senhor Supremo irá naturalmente considerar a posição de rei como muito desejável e digna de inveja. Os devotos de Krishna, no entanto, não só consideram as felicidades materiais como insignificantes, mas também rejeitam completamente a felicidade derivada da liberação. Os Vedas recomendam que todos adorem o Senhor Supremo, isso porque, somente em Seu olhar misericordioso, existe verdadeira felicidade.


***




Tradução de Bhagavan dasa (DvS) e revisão de Naveen Krishna dasa (HdG), Prana-vallabha devi dasa (DvS) e Prema Vardhana devi dasi (DvS)

A obra integral da qual este excerto foi retirado encontra-se disponível para venda clicando aqui.

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