quinta-feira, 2 de maio de 2013

Tropicalismo a preço de banana (por Dellano Rios, Diário do Nordeste, Fortaleza)







Tropicalismo a preço de banana


Tom Zé samba na cara da sociedade e de seus detratores no (excelente) EP "Tribunal do Feicebuqui"

Aos 75 anos, Tom Zé provou ainda ter o que dizer. Era o começo de 2012 e o baiano de Irará lançava seu vigésimo álbum de estúdio, "Tropicália Lixo Lógico". Nele, Tom Zé estudava o pop e a validade dos ideais da Tropicália. O disco foi bem recebido pela crítica (indo direto ao ponto: é um dos melhores discos do ano, sendo a lista verde-amarela ou transnacional), mas não ganhou por parte do público nem metade da atenção despendida com o episódio deste começo de ano.

Tom Zé: críticas contra participação em um comercial de refrigerante serviram de mote para novas canções

Tom Zé gravou a narração de um comercial da Coca-Cola, que diz quão maravilhosa será a Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 2014. Juntar uma marca de refrigerantes que, para os mais exaltados, é o símbolo do capitalismo imperialista norte-americano, com um artista inquieto - que, a despeito dos méritos, nega-se a fazer pose de medalhão da MPB - é uma fórmula certeira para a confusão em tempos exasperados de mídias sociais. Afinal, Facebook, Twitter e outras ágoras digitais sofrem uma espécie de epidemia polemista. Faz-se polêmica com tudo - do que provoca legítima indignação até bobagens, como as falhas de continuidade no enredo das telenovelas.

Vendido, ganancioso, incoerente, senil: foram essas as acusações mais frequentes nas redes sociais quando a polêmica estourou, em março. Claro, a outra epidemia das redes sociais - o "piadismo" - fez com que cada um destes adjetivos fosse transformado num chiste, numa sacada, em 15 segundos de fama pelo talento em fazer rir numa lista de comentários em algum site, blog ou postagem em contas pessoais.

Devoração

O velho tropicalista até tentou se defender, escrevendo uma carta aberta sobre o tema - num encadear de ideias mais claro que o usual em sua prosa (vide o livro "Tropicalista Lenta Luta", de 2007). Mas a defesa sempre é uma notícia menos apetitosa do que a acusação. A carta não teve a mesma repercussão (ou a mesma quantidade de compartilhamentos) do comercial indecoroso.

Tom Zé, felizmente, não desistiu da briga. Fez dela o mote de uma coleção de canções, por vezes tão boas quanto as daquele grande disco do ano passado, ofuscado por uma polêmica virtual. Desde o começo da semana, está disponível no site tomze.com.br o EP "Tribunal do Feicebuqui". Com o subtítulo "Imprensa Cantada - segunda edição" (referência ao álbum de 2003), o pacote conta com cinco canções inéditas e pode ser baixado gratuitamente no site.

O método é a devoração modernista, como prescrita pelo poeta Oswald de Andrade (1890 - 1954). Tom Zé canibaliza tudo aquilo que foi lançado contra ele. "Seu americanizado/ Quer bancar Carmen Miranda/ Rebentou o botão da calça/ Tio Sam baixou em Sampa", canta na faixa título, música que recebeu de presente de Marcelo Segreto, Gustavo Galo, Tatá Aeroplano e Emicida, compositores da novíssima geração musical da Pauliceia amada pelo baiano.

A canção segue: "Vendido, vendido, vendido!/ A preço de banana/ Já não olha mais pro samba/ Tá estudando propaganda/ Que decepção/ Traidor, mudou de lado/ Corrompido, mentiroso/ Seu sorriso engarrafado". É uma espécie de samba rock, com elementos de marcha militar, surf music e rap. A levada rock, meio indie, dá o tom de "Zé à zero", do próprio Tom Zé (com Secreto e Tim Bernardes). A letra é híbrido pop concretista, cheia de jogos de palavra e sátira social.

"Taí" é uma releitura da marchinha "Ta-hi", de Joubert de Carvalho (1900 - 1977) imortalizada por Carmen Miranda (1909 - 1956). A letra é diferente e evoca o espírito nacional do guaraná.

Outro presente recebido pelo baiano foi "Papa Francisco perdoa Tom Zé", de Tim Bernardes. Canta ele na marchinha "Papa Francisco vem perdoar/ O tipo de pecado que acabaram de inventar/ O povo, querida, com pedras na mão/ Voltadas contra o imperialismo pagão".

O EP fecha com "Irará Iralá", que presta tributo à cidade natal e aos personagens da juventude do baiano. Bela e saudosista, é a única canção que não evoca o episódio de linchamento digital. A ideia do compositor é fazer derivar desse projeto um novo álbum, para o segundo semestre. A polêmica não terá tanto fôlego assim. Já Tom Zé prova que, perto dos 80, tem força suficiente não apenas para brigar, mas para seguir estudando formas de criar boas canções.

Disco
Tribunal do Feicebuqui - Imprensa Cantada segunda edição
Tom Zé
Independente
2013, 5 faixas
Download gratuito

DELLANO RIOS editor (dellano@diariodonordeste.com.br; dellano@gmail.com)


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