quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A PAIXÃO PELOS LIVROS SEGUNDO LEITORES MUITO ESPECIAIS

A PAIXÃO PELOS LIVROS
SEGUNDO LEITORES MUITO ESPECIAIS

Edições Sesc São Paulo lançam
uma coletânea de ensaios sobre o prazer da leitura






“Somos fascinados por aqueles que sabem contar histórias. Por certo, reconhecemos sua capacidade inventiva, espécie de dom sobrenatural, capaz de dar forma, densidade e conteúdo aos sinais invisíveis daquilo que não ousamos imaginar. Capaz de dar sentido às escolhas e ordenar as incertezas vinculadas ao destino. Capaz de extrair poesia do improvável, como Mario Quintana, ao sugerir que “a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”

Danilo Santos de Miranda
Diretor regional do Sesc São Paulo


Entre 2008 e 2010, o Sesc São Paulo organizou o ciclo de debates Tertúlia, no qual mais de 40 escritores e tradutores foram convidados a falar de uma obra literária especial com cujo autor eles mantivessem uma relação particular de fascínio e admiração. Com curadoria do escritor Tiago Novaes, o projeto constituiu uma bem-sucedida iniciativa de aproximar o grande público não somente de autores consagrados, vindos de um passado distante, ou mesmo ainda em atuação, como também de excelentes escritores e tradutores contemporâneos em franca atividade de criação.

Cinco anos depois da estreia do ciclo, as Edições Sesc São Paulo lançam Tertúlia: o autor como leitor, que reúne 21 daqueles encontros, concebidos agora sob a forma de ensaios literários nos quais incide uma ótica bastante singular. Trata-se de um livro que, sem abrir mão do rigor e da sofisticação intelectual, dirige-se a um só tempo a dois tipos de público: o leitor iniciado – que certamente colherá nos ensaios informações e reflexões bastante apuradas sobre determinadas obras e autores – e o leitor novato, para o qual os textos dessa Tertúlia poderão funcionar como uma espécie de guia de leitura, orientando gostos, estimulando a capacidade crítica, propondo repertórios mínimos de leitura...

A palavra tertúlia implica a noção de três significados complementares: o primeiro deles diz respeito à ideia de uma reunião de parentes ou amigos; o segundo, de uma palestra sobre literatura; e o terceiro, de uma pequena agremiação literária. Sem deixar de lado, naturalmente, tais sentidos, cada um dos ensaístas convidados procurou ampliar a significação da palavra para um aspecto implícito em sua própria etimologia: tertúlia também diz respeito a uma reunião de pessoas que, divertidamente, discutem, jogam ou conversam.

O debate, jogo ou bate-papo que cada epígono, aqui, estabelece com seu mestre não poderia ser mais estimulante para o leitor. Sérgio Molina trata de Miguel de Cervantes; Maria Esther Maciel, de Jorge Luis Borges; Marcelino Freire, de Manuel Bandeira; Lygia Fagundes Telles, de Machado de Assis; Leonardo Fróes, de Virgínia Woolf; Juliano Garcia Pessanha, de Franz Kafka; Eric Nepomuceno, de Gabriel García Márquez; Julián Fucks, de James Joyce; Márcio Souza, de Inglês de Souza; Boris Schnaiderman, de Lev Tolstói; Manuel da Costa Pinto, de Albert Camus; Ana Miranda, de Augusto dos Anjos; Cláudio Willer, de Hilda Hilst; Bernardo Ajzenberg, de Philip Roth; ContardoCalligaris, de Luiz Alfredo Garcia-Roza; Paulo Bezerra, de FiódorDostoiévski; Rodrigo Lacerda, de João Antonio; Nélida Piñon, de Juan Rulfo; Luiz Rufatto, de Guimarães Rosa; Mamede Jarouche, da literatura árabe (em especial, do Livro das mil e uma noites); e, por fim, o próprio organizador da coletânea, Tiago Novaes, trata de Moacyr Scliar que, por sua vez, havia falado de Kafka em uma tertúlia, antes de falecer.

Cada um dos homens de letras convidados a falar sobre seus livros de cabeceira e sobre seus autores prediletos teve ampla liberdade na abordagem de seu objeto de culto, resultando o livro em uma coletânea que prima por uma bem-vinda originalidade temática, metodológica e formal. A escritora Lygia Fagundes Telles (que forma com o tradutor Boris Schnaiderman o casal de decanos no espesso elenco de ensaístas), por exemplo, conta em um texto tão breve quanto saboroso, tecido pela mais épica das faculdades, a memória, sua relação íntima e pessoal com Dom Casmurro, que acabou lhe rendendo um belo fruto profissional: “Algum tempo depois, quando Paulo Emílio Salles Gomes e eu morávamos na Rua Sabará, eis que o cineasta Paulo César Saraceni nos visitou, pretendia dirigir um filme baseado no romance Dom Casmurro e queria que o roteiro fosse nosso. (...) Começamos a trabalhar com paixão, às vezes varávamos a madrugada, o bule de café, o cinzeiro atochado de tocos, o livro aberto na mesa... Ainda impregnada da última leitura, instintivamente eu tomava o partido de Bentinho, embora soubéssemos que não devíamos revelar a nossa opinião. Na dúvida, suspender o juízo! ‘Nisso está a força do nosso trabalho’, dizia o Paulo Emílio. Até que certa manhã, repentinamente, ele me encarou, apreensivo, ‘Meu Deus, você está ficando com a cara do Bentinho!’. Respondi rápida, ‘Então é porque você está me traindo!’”.

Eric Nepomuceno, autodeclarado um “escritor que traduz” (graças a sua paixão pela literatura latino-americana, o leitor brasileiro há um bom tempo tem à disposição algumas das obras essenciais de Julio Cortázar, Eduardo Galeano e Juan Carlos Onetti), defende empenhadamente uma poética da tradução, tomando Viver para contar, de Gabriel García Márquez, como parâmetro: “Há expressões belíssimas, ao longo de todo o livro, de uma estrutura difícil, como se fosse uma sinfonia de câmara. Manter essa construção exigiu muito esforço e muita atenção. O texto é de uma delicadeza, de uma sutileza, que representaram um perigo permanente. As imagens, sempre tão pessoais em García Márquez, se renovaram nessa escrita”.

Julián Fuks, o mais jovem dos autores da coletânea, vai ao encontro de um dos testemunhos literários mais convulsivos do século – Ulisses, de James Joyce –, munido de uma sinceridade radical temperada por discreta dose de sabedoria: “Alguém há de perguntar o que um jovem brasileiro, distanciado por quase um século e um oceano inteiro desse sujeito tão peculiar e tão complexo que foi James Joyce, teria a dizer sobre sua obra. A pergunta é pertinente e encontra resposta fácil se um de seus pressupostos subjacentes for a exigência de informações novas, de afirmações novas. O que tenho a dizer de novo sobre James Joyce? Absolutamente nada. Mas antes que os leitores fechem este livro com a dose de indignação que lhes pareça adequada, cabe ressaltar que essa impossibilidade incontornável já havia sido devidamente avisada. Se o dia remoto em que se passa Ulisses, o dia 16 de junho de 1904 ao qual farei alusão nestas próximas páginas, guardava em si toda a eternidade, nada de novo pode restar para além de suas limitadas horas. Passado e futuro se condensaram naquele retrato tão minucioso da humanidade, e num panorama tão extenso como esse não poderiam faltar jovenzinhos pretensiosos com vãs esperanças de saber um átimo – ou de falar algo interessante – sobre a vida, sobre a literatura, sobre a arte”.

Inúmeras são as possibilidades de fruição de Tertúlia: o autor como leitor, com o qual as Edições Sesc São Paulo anunciam sua bem-vinda entrada na esfera da crítica literária, fazendo uso da mesma inventividade que marca a atuação da instituição na área da ação cultural, vocacionada sempre para os projetos transdisciplinares de educação não formal. O leitor não encontrará nas páginas da obra aquela erudição tortuosa ou o hermetismo vaidoso que costumam rondar boa parte da crítica literária produzida nos círculos universitários e acadêmicos. De modo bem menos convencional, o livro pretende difundir informação de qualidade e estimular o debate mais consequente, objetivando também, é claro, aumentar o público leitor de língua portuguesa em torno desses autores e dessas obras.
Por isso o nome da coletânea não poderia soar mais apropriado, já que ela, despretensiosamente, pretende chamar o leitor para o centro de uma conversa animada a respeito da cultura letrada. Os ensaios de Tertúlia convidam todo amante da leitura a adentrar o vasto universo da literatura e a sair dele mais bem preparado para refletir sobre a realidade que o cerca. Afinal, como Alberto Manguel, ele também um especialista nas possibilidades da leitura, afirma: “Somos animais narrativos, viemos ao mundo acreditando que ele é um livro que nos conta histórias”.   

FICHA TÉCNICA:
Editora: Edições Sesc São Paulo
ISBN: 978-85-7995-073-5
Páginas: 424 p.
Preço: R$49,00
Lançamento: Dia 12 de dezembro, às 20h, no Sesc Pinheiros – Rua Paes Leme, 195
Na ocasião haverá encontro do organizador Tiago Novaes com
os autores Luiz Ruffato e Marcelino Freire
SOBRE O ORGANIZADOR
Tiago Novaes nasceu em 1979 na cidade de Avaré, São Paulo. É escritor, tradutor e doutorando em Psicologia na USP. Publicou “Subitamente: Agora” (7 Letras), “Estado Vegetativo” (Callis) e “Documentário” (Funarte). Dirigiu o longametragem “Herança” e integra a antologia “15 CuentosBrasileros” (Comunicarte), editada na Argentina. Recebeu bolsas de criação literária da Secretaria de Cultura de São Paulo e da Funarte. Foi finalista do prêmio São Paulo de Literatura, em 2008. Idealizou e produziu os ciclos Tertúlia: Encontros da Literatura em unidades do Sesc São Paulo, coordenou oficinas de prosa no Sesc São Paulo, na Academia Internacional de Cinema e no projeto Tantas Letras!. Traduziu, ainda, mais de dez obras de ficção e não-ficção para diferentes casas editoriais.
SOBRE AS EDIÇÕES SESC SÃO PAULO
Segmento editorial do Sesc, as publicações das Edições Sesc São Paulo são pensadas e construídas em um longo processo de maturação e discussão, justamente por estarem envolvidas em projetos de largo alcance. As Edições Sesc SP têm em seu catálogo publicações nas áreas de cultura, artes, esportes, ciências sociais, educação, filosofia, terceira idade e história. Muitos desses trabalhos articulam-se em diversas mídias, para atender aos anseios de um público interessado em informações plurais, que podem vir de diferentes recursos multimídia, integrando texto, áudio e vídeo. Seu projeto gráfico, muitas vezes arrojado e experimental, constitui-se também em um campo para a criação. 

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