terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Crônica da Urda - As Clarissas da minha vida.




As Clarissas da minha vida.


                                   Nem sei por onde começar. Talvez por um dia luminoso de março, meu primeiro dia de aula de português no primeiro ano ginasial, onde o bom e velho professor Trierweiler deu como tarefa de casa escrever uma redação chamada “Festa de aniversário”. Fui para casa, imaginei uma festa de aniversário num salão de chão rebrilhante, onde uma menina que aniversariava tocava um piano envernizado e se chamava Clarissa.  A minha redação redundou na maior bronca. Recebi-a de volta com um “zero” escrito em garrafais letras vermelhas e junto com a maior descompostura possível, dada pelo meu bom professor, que mais tarde se tornaria meu revisor. Por que a bronca? Porque o professor me acusava de ter copiado a redação de um livro de Érico Veríssimo.
                                   Nessa altura, eu ainda não sabia quem era Érico Veríssimo, e lembro como fiquei de pé, tremendo de indignação, a dizer que não copiara a redação de lugar algum. Clarissa fora simples coincidência. Diz o professor, até hoje, que resolveu prestar mais atenção em mim – por enquanto, tirou o zero, botou um dez.
                                   Claro que tratei logo de saber quem era Érico Veríssimo, e um atrás do outro li todos os seus livros, e fiquei fã incondicional. Digo sempre, mesmo, que ele foi um dos meus grandes mestres brasileiros, junto com Jorge Amado (Muitos outros também foram meus mestres, mas estrangeiros).
                                   Daí um dia, que acabo de descobrir agora que foi em 1975, eu estava viajando num carro de um amigo numa distante estrada, e deu no rádio do carro que Érico Veríssimo partira. Gente, como doeu! Eu não podia crer que uma pessoa que escrevia livros como “Clarissa”, ou “O tempo e o vento” não pudessem ser imortais. Doeu tanto quanto perder um tio, um pai. Meu mestre se fora irremediavelmente. Deixara-me Clarissa, porém, e todas as suas outras histórias.
                                   A vida correu. A vida às vezes toma rumos que a gente não espera. Um dia, uma das netas de Érico Veríssimo morou um ano em Moçambique, país onde tenho parte da minha família, e a minha gente ficou amiga dela, e da irmã dela, e da mãe dela, que lá tinham ido passar férias. Foi amizade mesmo, coisa assim de minha sobrinha ir para Paris e ficar hospedada na casa dos Veríssimos lá, e depois ir a Porto Alegre e fazer o mesmo – quando ela foi a Porto Alegre eu dizia: “Querida, por favor, me telefona de lá, eu quero pelo menos ouvir o som da casa dos Veríssimos!”. Ela não só me telefonou como me botou a falar com D. Mafalda, a viúva do meu ídolo, e D. Mafalda acabou por me mandar um livro do falecido marido com dedicatória dela. Eu quase que desmaiei de emoção!
                                   Então, na semana passada, o jornal trouxe uma matéria sobre os 90 anos da Dona Mafalda, com fotos dela e tudo. Fiquei olhando para o jornal como uma boba. – aquela mulher que o jornal contava  maravilhosa e que eu sabia que era estava ali, em fotografia, e numa segunda foto trazia no colo, junto com o marido, os filhos Luiz Fernando e... Clarissa! Daí descobri onde o meu grande mestre buscara o nome da sua heroína! Clarissa existia mesmo! Fiquei pensando se a menina lá do meu primeiro ano do Ginásio, a que tivera um aniversário a tocar um piano envernizado não poderia, talvez, ser aquela menina Clarissa  que vivia, de verdade, lá no Rio Grande do Sul!
                                   Sei que descobri que tenho três Clarissas: a que fez o professor me dar a bronca, a heroína dos livros do meu grande mestre, e uma menina que já deve ser mulher madura, e que mora, segundo o jornal, nos Estados Unidos.
                                   Parabéns, querida D. Mafalda! Obrigada por ter me dado mais uma Clarissa!


                                               Urda Alice Klueger
                                               Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.



                                               Blumenau, 19 de Junho de 2003.

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