terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Crônica da Urda - REVIVENDO 1

REVIVENDO 1

                                   (Para Eduardo Venera dos Santos Filho)

                                   Subi hoje no morro da Caixa D’Água, tanto tempo depois. O morro é o mesmo, a rua é a mesma, mas nenhuma das árvores resistiu e me esperou. Quarenta anos é muito tempo. Na verdade, penso no disco de Roberto Carlos que saiu naquele verão e faço as contas: já são 42 anos, e os eucaliptos de lá de cima, então, já eram adultos e me pareciam tão lindos!
                                   Eucalipto é árvore à toa, de outro ambiente, e dura pouco no nosso continente – deveria ter pensado que não existiriam mais. E não há o menor vislumbre de eucalipto lá em cima, agora – outras árvores nasceram e cresceram e são adultas, e dão sombra como então.
                                   A emoção me travava a garganta e pensei que, decerto, era naquela curva ali que se estacionava o carro. Estacionei mais adiante e fui voltando a pé, espionando o passado, me conscientizando da ausência dos eucaliptos, e olhei para baixo. Lá, onde outrora houvera um pequeno bairro de uma cidade que tinha 80.000 habitantes, há agora uma barreira eriçada e compacta de edifícios modernos, tão compacta e tão alta que mal e mal se consegue ver, lá distantes, as pontas dos morros azuis que significam o horizonte. É como se aquela barreira impedisse o passado de se ligar com o presente, como se o passado estivesse preso ali no morro como foi um dia, mesmo que as grandes árvores já não se lembrem. O presente está lá embaixo, naquela barreira eriçada, mas ali, naquele lugar de sol e sombra, no morro, ainda estão pairando as músicas do LP do Roberto que foi lançado no final de 1971, embora já tivesse sido em 1972 que por ali elas tivessem sido soltas, e as lágrimas me vieram com muita intensidade e grande doçura, incontroláveis, e não tive nenhum pejo de chorar tanto quanto o coração me pedia, mesmo que passassem algumas pessoas e alguns carros. Quem olhou, deve ter se intrigado com aquela mulher chorando sem nenhum controle e com toda aquela doçura, pois era tão doce aquele momento de reencontro com distante passado, e estava ele tão cheio de surpresas e intensidades!
                                   Primeiro duvidei se você viera – afinal, não havia nenhum encontro marcado previamente e eu só pensara em subir ali meia hora antes, apenas para ver como seria agora, depois de tanto tempo. Mas ali, sob as novas velhas árvores, podia sentir que você viera e estava, não como uma imaginação ou um fantasma – entre os pedaços de sombra e de sol deste tempo de um dezembro que ainda não se encontrou verão, a sua essência estava com uma tal intensidade que era impossível não sentir, e eu podia estender a mão por sobre as décadas e tocar a sua, e o seu sorriso nem parecia imaterial e era tão lindo, tão “pleno e firme como um botão de rosa[1]”, que fiquei tomada de tal encanto que só poderia se traduzir na doçura das lágrimas.
 Como pude ficar tanto tempo sem ter voltado àquele lugar onde até as músicas do Roberto ainda estão vivas?

Blumenau, 15 de Dezembro de 2013.

Urda Alice Klueger
Escritora


[1] Verso do poeta Marcos Konder Reis.

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