sábado, 23 de maio de 2015

Uma História do Despertar do Amor


 


Dhyana-kunda Devi Dasi
Um príncipe que desejava o maior dos reinos o obtém, mas encontra a satisfação em outro lugar.

Uma das histórias mais comoventes no Srimad-Bhagavatam está presente no quarto canto. Trata-se da história do pequeno príncipe Dhruva e de sua grande aventura, a qual contém muitas lições sobre o amor.

Dhruva tinha cinco anos quando saiu de casa para a floresta em busca de Deus. Algumas pessoas que ele conheceu no caminho tentaram convencê-lo a voltar.
“É certamente glorioso procurar Deus”, disseram, “mas você não é muito jovem para um compromisso tão sério? E Deus não está em todos os lugares de alguma forma? Por que você tem que ir para a selva, onde há tantos animais ferozes?”.
Dhruva não tinha certeza do porquê, mas ele tinha ouvido falar que grandes sábios que desejavam encontrar o Senhor Supremo saíam de casa e rumavam para a floresta. Aparentemente, isso era o que tinha de ser feito. Se Deus realmente estava lá, Dhruva certamente O encontraria.

Com o que Deus Se parece? O pequeno príncipe também não sabia ao certo. De uma coisa ele sabia: Deus era a única pessoa que poderia realizar o seu desejo secreto. Em relação a isso, Dhruva tinha a palavra de sua mãe. Ela orava a Deus todos os dias, em razão do que ela certamente sabia o que ela estava falando.
A história de Dhruva tem um final feliz. Ele conhece Narada Muni, um mestre espiritual, que lhe diz como chegar a Deus através da devoção. Completamente sozinho na selva, o menino se submete a disciplinas espirituais com determinação grande o bastante para fazer jus ao significado de seu nome: “Perseverante”.
Tigres e chacais pouparam Dhruva, mas ele não apenas sobreviveu, senão que ele se encontrou com Vishnu, uma expansão de Krishna, frente a frente e, por fim, tornou-se famoso como um dos maiores devotos do seu tempo. Seu desejo secreto também se realiza. Eis o final glorioso da história. O início, porém, é triste.
As Palavras Cruéis da Madrasta

O pai de Dhruva, o rei Uttanapada, tinha duas esposas, Suniti e Suruchi. Suniti era a mãe de Dhruva, e Suruchi era a mãe de Uttama. Os meninos brincavam juntos, e ambos tinham a afeição de seu pai, diferente de suas mães. O rei negligenciava Suniti, nem mesmo permitindo que ela chegasse perto dele, enquanto Suruchi era a sua favorita, talvez por causa de sua beleza – ela era deslumbrante. Apesar disso, ela era ciumenta.
Certa vez, o rei estava sentado no trono com Uttama em seu colo, acariciando-o afetuosamente. Dhruva também queria ficar no colo de seu pai, mas Suruchi não gostou da ideia.
“Não, você não pode sentar-se no colo do rei”, disse ela. “Você pode ser o filho do rei, mas isso não é o suficiente. Você teria que ser meu filho também. E isso, meu caro rapaz, você só poderia conseguir adorando o Senhor Supremo. Se Ele estiver satisfeito com você, Ele pode conceder-lhe a preciosa dádiva de proporcionar o seu próximo nascimento a partir do meu ventre”.


Ofendido e enfurecido, Dhruva Maharaja correu para sua mãe.
Ela disse: “Meu caro rapaz”, mas suas palavras golpearam Dhruva como uma estaca. Ela desejou que ele morresse! Seu corpo enrijeceu. Ofegante, ele virou-se para seu pai, mas o rei olhou para o lado, para Suruchi, sua bela rainha. Dhruva virou-se e correu para sua mãe.
O que Suniti poderia fazer além de chorar com seu filho pequeno?

“Sua madrasta está certa”, disse Suniti. “Seu pai não me considera mais sua esposa. Ela está certa, também, em dizer-lhe para adorar o Senhor Supremo. Se você quiser sentar-se no mesmo trono como seu meio-irmão, Uttama, você não deve ter inveja dele, mas apenas retornar ao Senhor Supremo. Adorando-O, você pode conseguir coisas nunca sonhadas por aqueles que depositam sua fé em semideuses. Meu filho, apenas adore o Senhor. Eu não consigo encontrar outro alguém que possa aliviar sua angústia”.

Dhruva tomou uma decisão. Ele iria para a floresta encontrar Deus, e ele disse: “Meu querido Deus, eu sou o filho do rei, mas não serei o herdeiro do trono. Por favor, faça-me um rei maior do que o meu pai. Eu quero ter um reino como ninguém jamais teve. Se Você está satisfeito com a minha adoração, por favor, conceda-me este desejo”.

Visão na Floresta

Dhruva sabia que encontrar Deus seria difícil, mas ele estava determinado. Sozinho na floresta, ele pratica yoga para a concentração, canta um mantra que recebeu de Narada e medita no Senhor, que habita o coração.


Dhruva praticando yoga na floresta.
Seis meses se passaram. Um dia, quando Dhruva entrou em meditação e fixou sua visão interna no Senhor Vishnu, a imagem que ele já tinha se acostumado a contemplar desapareceu de repente. Dhruva perdeu a concentração. Ele abriu os olhos e viu o Senhor Vishnu em pé diante dele. O Senhor parecia exatamente como a forma que Narada lhe descrevera. Dhruva muitas vezes contemplara em seu coração aquela forma majestosa, de quatro braços, adornada com todas as insígnias da Suprema Personalidade de Deus, toda a Sua forma brilhante como um relâmpago.

Desta vez, porém, os olhos de Dhruva estavam abertos, e, diante dele, não estava uma imagem mental, mas uma pessoa vivente, sorrindo para Dhruva. Oprimido, o menino caiu aos pés do Senhor Vishnu. Mesmo enquanto estava deitado no chão, ele não conseguia tirar os olhos do Senhor.


O Senhor Vishnu, junto de Sua ave transportadora, Gadura, encontra-Se com Dhruva Maharaja na floresta.
Satisfeito com Dhruva, o Senhor perguntou se ele tinha qualquer intenção a se cumprir. Tudo estava indo como Dhruva esperava. Seu objetivo impossível agora estava ao seu alcance.

Conflito Clássico
Antes de ouvir a resposta de Dhruva, voltemos à cena onde Dhruva fora proibido de brincar no colo do rei Uttama. Tanto a história como os conflitos são clássicos. De um lado: o pai, a madrasta e “o bom filho”. Do outro: o filho indesejado e excluído do amor e da felicidade de que os outros três gozam.

Porém, o rei Uttanapada, Suruchi e Uttama realmente compartilham de amor e felicidade? Não. Nenhum deles é realmente feliz, e todos os três têm razões para se sentirem inseguros.
Suruchi se sentirá segura da devoção do rei apenas enquanto tenha o charme juvenil de seu corpo. Ela teme sofrer o destino de Suniti e perder as afeições do rei.

O rei, embora ame seus dois filhos, não pode correr o risco de perder o favor de Suruchi. Ele pode governar todos no reino, mas, nas mãos de Suruchi, ele é um animal de estimação. Ela negou seu favor a Dhruva e não se preocupou em esmagar o coração do menino. O rei pode estar pensando: “Suruchi, minha preferida, você seria capaz de fazer isso comigo?”.

Finalmente, Uttama é pequeno demais para entender o que está acontecendo. Tudo o que ele sabe é que ele estava brincando no colo de seu pai e seu irmão Dhruva foi punido por tentar fazer o mesmo. Fico feliz que ele tenha sido poupado, e sentindo-se especial, ele, no entanto, não vê culpa de Dhruva. “Se nenhum de nós fez algo errado e ele foi punido desta vez, serei o punido da próxima vez, papai?”.

Nenhuma dessas três pessoas está recebendo amor real, que é altruísta, incondicional e de fluxo livre. Felizes são aqueles que sabem amar cedo na vida e aprender a alegria de compartilhá-lo. A maioria das pessoas oferece e recebe coisas como sexo, riqueza e poder em nome de amor. E, junto desse tipo de “amor”, vem luxúria, ira, ganância, inveja, ilusão, e loucura. “Os seis inimigos do eu” – é assim que os professores védicos os chamam. E, no fundo, há medo. Por exemplo, Suruchi tem medo por causa de apegos materiais. Quando Dhruva subiu no colo de seu pai, ela o viu não como uma criança inocente, mas como rival de seu filho tentando tomar o trono.
As pessoas que realmente amam não temem perder algo material. Além disso, não se sentem desejosas; são autossatisfeitas. Elas podem ser casadas ou sozinhas, mendigos ou reis, mas elas são livres. Sexo, riqueza, poder ou qualquer coisa material não exercem nenhuma influência sobre elas.
E sobre a busca de Dhruva por amor? Movido pela raiva, ele arrisca sua vida para ganhar um reino maior do que o de seu pai. Todo um planeta para se governar certamente seria uma compensação justa por não poder se sentar no colo do pai.

Como na família de Dhruva, nós, na busca de amor, nos machucamos e nos empurramos para longe um do outro. Tristes são as formas de amor no mundo da matéria. Todavia, o mais triste de tudo é perder ainda a esperança de que o amor verdadeiro exista. Nossos sonhos não realizados de um pai perfeito, uma mãe perfeita, um amante perfeito e um amigo perfeito nos fazem pensar que Deus, o amante perfeito e supremo, talvez não exista.
Dhruva teve sorte. A força de sua frustração, canalizada para a prática espiritual, e o conselho de sua mãe e de seu mestre espiritual, Narada Muni, levaram-no para além do mundo do medo. Ao encontrar o Senhor Vishnu face a face, Dhruva encontrou não apenas o amor que ele tinha perdido, mas a sua própria capacidade de dar amor da mesma forma. Amar é a sua natureza, como é para todos nós. Ele a tinha esquecido, assim como acontece com todos os seres vivos quando se afastam de Deus e do Seu amor. Apesar disso, a natureza original de Dhruva nunca tinha mudado, e a natureza amorosa é a mesma em todos os seres vivos – ela procura expressão, ela motiva uma pessoa a procurar, ela não permite sentir-se satisfeito com o ordinário, o temporário, o limitado. Dhruva ficou satisfeito apenas quando encontrou o ilimitado.
A Resposta de Dhruva

Ao longo de todos os riscos que ele aceitou e de todas as austeridades por ele realizadas, Dhruva acreditava que o desejo do seu coração era ganhar o reino. O que ele poderia conhecer com maior certeza do que seu próprio coração? No entanto, Dhruva descobriu que ele estava errado. Quando ele finalmente se levantou do chão, ele se dirigiu ao Senhor Vishnu com uma oração. Suas palavras, que vieram do coração, foram diferentes do que aquelas que ele havia preparado. Ainda hoje, os devotos do Senhor Vishnu repetem a oração espontânea de Dhruva, que retrata tanto a sua surpresa consigo mesmo quanto a sua alegria esmagadora.




Dhruva, depois de abençoado pelo búzio de Vishnu, ofereceu-lhe orações.
“Ó meu Senhor”, disse Dhruva, “eu queria ser um grande rei e estava realizando severas austeridades para que Você me concedesse esse desejo. Agora, eu obtive Você, o que é muito difícil até mesmo para os semideuses, santos e reis. Eu estava procurando por um pedaço de vidro quebrado, mas, em vez disso, encontrei uma joia absolutamente valiosa. Estou completamente satisfeito, e nada tenho a Lhe pedir”.
O Amor se Expande
O amor a Deus não é apenas a Deus – ele não diminui o carinho que sentimos pelos outros, senão que, ao contrário, aprofunda o carinho, porque somos capazes de amar os outros não por coisas externas, como o seu corpo, e não por algo que eles nos dão, e não somente caso cumpram sua parte do contrato. Um devoto puro, alguém que desenvolveu sua relação amorosa com Deus, pode ver além do condicionamento material dos outros, além de suas características agradáveis ​​e desagradáveis, além até mesmo de sua crueldade, e se relaciona com todos como pessoas espirituais únicas, partes de Deus. Os devotos puros desenvolvem o tipo de intuição que admiramos em histórias de grandes santos e mestres espirituais. Se um devoto puro se sente seguro em sua própria relação de amor com Deus, ele não almeja apreciação dos outros nem se sente prejudicado pela agressividade que possam voltar contra ele. Essas qualidades colocam-no em uma posição única para ajudar os outros.
Suniti, a mãe de Dhruva, foi capaz de aceitar seu destino sem odiá-lo e foi capaz de convencer seu filho a aceitar a instrução valiosa nas palavras de ódio de Suruchi, sem se tornar uma escrava do ódio. Isso significa que um devoto do Senhor deve permitir que outros o pisoteiem? Não. Nem a agressão nem a submissão mansa, por si só, indica avanço espiritual. O que é determinante é a motivação do sujeito.
Um devoto não procura satisfação egoísta, seja por oprimir os outros, seja por ser oprimido para “aproveitar” o status de vítima. Independente de o devoto escolher ser agressivo ou escolher ser manso, sua motivação é servir a Deus e ajudar os outros a encontrar o seu caminho de volta ao Supremo. Ele pode ajudar os outros através de instrução, por exemplo, ou mesmo com a simples presença. Aqueles que tiveram o privilégio de entrar em contato com alguém dotado de verdadeiro amor de Deus, em qualquer fé religiosa, sabem que a presença dessa pessoa eleva os outros ao mesmo plano.
Isso foi o que aconteceu com os membros da família de Dhruva. Ao ouvir a notícia do retorno de Dhruva, o rei Uttanapada correu para fora do palácio para se encontrar com ele. Junto do rei, vieram Uttama, Suniti e Suruchi. Sem reserva, Dhruva foi honrado por ambas as mães, que se prostraram ao chão.

Suruchi o pegou.

“Meu caro rapaz, vida longa a você!”.

Com lágrimas de alegria nos olhos, ela o abençoou.

Suniti, então, abraçou Dhruva carinhosamente, assim como seu irmão Uttama.

Um Rei Honrado

Esta história tem um fim tradicional: Dhruva cresceu em uma família feliz e zelosa e, por fim, tornou-se um grande monarca, amado por todos em seu reino; um reino maior do que qualquer outro que já existira.

O narrador do Srimad-Bhagavatam conclui: “Dhruva não era o mesmo de antes, senão que estava completamente santificado devido a ter sido tocado pelos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Àquele que tem qualidades transcendentais devido à amizade com o Senhor Supremo, todas as entidades vivas oferecem honras tão naturalmente como um rio flui a partir do alto de uma montanha”.

Uma pessoa com amor e devoção a Deus pode fazer a diferença para muitos. Aqueles de nós que têm pouca esperança de encontrar Deus, que sentem como se não pudessem reunir coragem suficiente para se aproximar dEle, meditar nEle ou servi-lO, podem encontrar forças ao saber que outros ganharão com o nosso amor a Deus: nossos parentes, amigos e inimigos, bem como transeuntes na rua – todos os seres vivos do mundo.

Dhyana-kunda Devi Dasi, natural da Polônia, juntou-se ao Movimento Hare Krishna em 1987. Ela e seu marido, Ekanatha Dasa, vivem na fazenda da ISKCON em Almviks Gard, na Suécia. Lá, serve como revisora e tradutora da BBT da Europa Setentrional. Também faz parte de um grupo de representantes internacionais do GBC da ISKCON.
Tradução de Anosha Prema. Todo o conteúdo das publicações de Volta ao Supremo é de inteira responsabilidade de seus respectivos autores, tanto o conteúdo textual como de imagens.
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