sexta-feira, 8 de abril de 2016

Conexões Sagradas: Entrevista com o Autor



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Entrevista com Hermano Trineto

Três histórias do Srimad-Bhagavatam, o grande clássico da literatura sagrada, descortinam seus ensinamentos sob as lentes da psicologia junguiana.

Volta ao Supremo: A que se propõe o livro Conexões Sagradas?

Hermano Trineto: O livro propõe-se a fazer uma leitura psicológica sobre histórias do Bhagavatam de pessoas que tiveram alguma realização ou experiência com o Sagrado, ou Krishna, sob a perspectiva da psicologia analítica, de Carl Gustav Jung. Assim, vão sendo delineados e analisados as experiências, conflitos e ensinamentos de três grandes personagens – Narada Muni, Dhruva Maharaja e Prahlada Maharaja  –, mostrando a todos nós o quanto essas histórias nos falam muito acerca da nossa própria condição humana como seres que estão tentando, de algum modo, encontrar uma conexão mais profunda e sagrada com a existência e com a própria Suprema Personalidade de Deus.

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Conexões Sagradas, publicado pela editora Relighare.

Na famosa série de conversas com Hayagriva sobre diferentes pensadores ocidentais, Srila Prabhupada teceu considerações sobre Jung. Diferente da maioria dos outros pensadores sobre os quais conversou com Hayagriva, Srila Prabhupada mostrou-se apreciativo das ideias de Jung.

Volta ao Supremo: Quando surgiu em você o desejo de escrevê-lo?

Hermano Trineto: O desejo de escrever o livro partiu muito da minha experiência clínica em observar o quanto, de um modo geral, as pessoas vêm perdendo a noção do Sagrado em suas vidas cotidianas e, com isso, um sentido mais profundo que dê uma sustentação emocional e espiritual para suas vidas. Jung considerava que esta seria a verdadeira causa de muitas neuroses e outros desordens emocionais, o fato das pessoas não terem um propósito transcendente às suas vidas, acompanhado de um empobrecimento de sua vida simbólica. A partir dessa experiência, surgiu em mim o desejo de explorar um pouco essa temática, mostrando que a relação do homem ou o Ego, com a dimensão do Sagrado, ou Self, pode nos oferecer outras perspectivas em relação à nossa vida humana.

Volta ao Supremo: Por sua pesquisa, acha que há profunda afinidade entre as ideias de Jung e os ensinamentos doBhagavatam, em especial como apresentados por Srila Prabhupada?

Hermano Trineto: Certamente. Jung foi uma personalidade extremamente favorável ao estudo e compreensão das diferentes tradições religiosas e de seus simbolismos. Podemos, sim, estabelecer muitos paralelos com as observações de Jung e os ensinamentos de Srila Prabhupada e da literatura védica como um todo. Por exemplo, Jung nos adverte que o Ego material, ao contrário do que muitos advogam, não representa a totalidade da psique, e que quanto mais o homem se volta para a identificação com esse ego material, em termos de posses e realizações de ordem material, mais ele está sujeito a um completo esvaziamento de sua vida interior. Para Jung, a totalidade do nosso ser somente pode ser experimentada quando entramos em contato com a instância do Self. No meu livro, estabeleço algumas relações entre o eixo Ego-Self, que seria a relação entre o Falso ego condicionado e a Suprema Personalidade de Deus. Na verdade, tento estabelecer outros paralelos que considero significativos ao alongo das três histórias.

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Hermano Trineto, o entrevistado.

Volta ao Supremo: E quais foram os critérios que o levaram a optar por essas três históricas especificamente, em meio a tantas outras no Srimad-Bhagavatam?

Hermano Trineto: O critério central foi o encontro com a Suprema Personalidade de Deus e de como, a partir desse encontro, a vida desses devotos pôde ser transformada. Para mim, eles viveram experiências culminantes, de grande iluminação, e é disso que precisamos hoje em dia, que possamos cultivar a nossa relação com Krishna de modo que possamos obter realizações espirituais genuínas e que deem condições para que possamos cultivar a nossa relação com Deus até o final de nossa vida. Assim, um dos conceitos centrais que nortearam a escolha dessas três histórias é a noção de experiência religiosa, e não apenas algo teórico ou distante de Deus.

Volta ao Supremo: Qual o grau de aceitabilidade entre os profissionais de Psicologia diante de um teísmo apresentado como solução para questões do campo primário da psicologia, a mente?

Hermano Trineto: Acredito que, entre os profissionais em geral, existe uma variação considerável em termos de aceitar ou não o aspecto do teísmo, e isso depende, em grande parte, da abordagem psicológica em que cada profissional se baseia. Sabemos que existem algumas correntes psicológicas, como a psicologia transpessoal e a psicologia analítica junguiana, que são mais favoráveis à questões acerca da espiritualidade e transcendência, enquanto outras abordagens, como a psicanálise, são mais restritivas. De qualquer modo, acho fundamental incluirmos a experiência religiosa e seus desdobramentos sobre o nosso psiquismo como tema de estudo, pois, como Jung sinalizou, parece que a psique apresenta, entre outros aspectos, uma função eminentemente religiosa.

Volta ao Supremo: Conte-nos um pouco sobre o processo de escrita da obra.

Hermano Trineto: Inicialmente, o processo criativo se deu através do que nós conhecemos como “brainstorm” ou “chuva de ideias”. Eu simplesmente comecei a analisar as histórias e fazer uma série de apontamentos de possíveis inter-relações entre os acontecimentos com a psicologia junguiana. Por exemplo, o que a morte da mãe de Narada poderia nos dizer em termos de uma leitura junguiana? A figura de Hiranyakashipu, que imagens ela poderia evocar do ponto de vista psicológico? O que representaria as austeridades de Dhruva Maharaja? Assim, procurei fazer alguns links entre certos acontecimentos com alguns conceitos junguianos e da psicologia em geral. Depois dessa primeira etapa, comecei a fazer uma pesquisa mais detalhada para fundamentar essas associações, vendo o que de fato tinha certa consistência teórica, com o propósito de eliminar possíveis especulações sem um maior fundamento. Diversas vezes, li e reli o texto seguindo essa linha de conduta. Por fim, o manuscrito final foi analisado por um colega meu da Universidade, professor Jorge Dellane, que escreveu também o prefácio e a quem sou eternamente grato pela análise minuciosa do texto final.

Volta ao Supremo: Nas três histórias analisadas, os protagonistas são crianças. Qual o significado disso?

Hermano Trineto: Acho que foi uma coincidência ter escolhido três histórias tendo crianças como protagonistas, mas podemos conjeturar, como abordo no final do livro, que a imagem da criança representa a dimensão do novo e de possibilidades futuras de crescimento e desenvolvimento, algo bem representativo em termos da nossa busca por autorrealização. Assim, o elemento criança nessas 3 histórias pode nos indicar que, na nossa busca pelo Supremo, devemos ser como crianças.

Volta ao Supremo: Qual das três histórias mais o agrada? Por quê?

Hermano Trineto: Acho que a história de Dhruva é a que me toca mais, talvez pelo seu ensinamento central, de que o nosso grande tesouro está na nossa relação com Krishna.

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Dhruva Maharaja em seu encontro com o Sagrado.

Volta ao Supremo: Por fim, o livro é igualmente relevante para um adepto do vaishnavismo, ou do hinduísmo, e para uma pessoa fora dessa tradição?

Hermano Trineto: Sim. A minha tentativa foi produzir uma obra religiosa, mas que não fosse de modo algum proselitista, ou com uma linguagem específica de um grupo em particular. Para isso, utilizei o recurso da psicologia junguiana para trazer diferentes níveis de compreensão dos assuntos que vão sendo abordados. Já recebi comentários positivos de quem não tem qualquer conhecimento prévio sobre o hinduísmo ou a consciência de Krishna e penso que a obra é igualmente relevante para todos, como era a minha intenção e desejo original.

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