terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Vestígios Interculturais da Civilização Védica



por Sadaputa Dasa

Se houve uma civilização védica mundial no passado, como descreve o Mahabharata e outros clássicos indianos, esperaríamos encontrar vestígios dela em várias culturas ao redor do mundo. Neste artigo, lemos alguns exemplos de ideias védicas concernentes a tempo e longevidade humana que aparecem repetidamente em diferentes tradições.

Parece que de fato estamos encontrando tais vestígios, e muitos concordam com as narrativas védicas em detalhes específicos, como a localização da morada de Surt ou a perda de uma perna por era universal por parte do búfalo sagrado. Uma vez que esta civilização começou a perder sua influência milhares de anos atrás, no começo de Kali-yuga, esperaríamos que muitos de tais vestígios se encontrassem fragmentados e sobrepostos por muitas adições posteriores, e isso também vemos. Assim, as evidências disponíveis parecem consistentes com a hipótese de uma origem védica.

O escritor grego da antiguidade Aratos conta a seguinte história sobre a constelação de Virgo, ou virgem. Virgo, ele diz, talvez tenha pertencido à raça estelar, os antepassados das estrelas antigas. Em tempos primitivos, na era de ouro, ela viveu entre a humanidade como a Justiça personificada e exortava as pessoas a aderirem à verdade. Nesta época, as pessoas viviam pacificamente, sem hipocrisia ou discussões. Posteriormente, na era de prata, ela escondeu-se nas montanhas, mas, ocasionalmente, ela descia das montanhas para repreender severamente as pessoas por seus atos maléficos. Finalmente, chegou a era de bronze. As pessoas inventaram a espada e “provaram a carne das vacas, os primeiros a fazerem isso”. Neste momento, Virgo “voou para a esfera”; isto é, ela partiu para o reino celestial. [1]

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Foto: Arato, poeta grego.

A literatura védica da Índia oferece uma descrição elaborada do universo como um cosmos – um sistema harmonioso e ordenado criado de acordo com um plano inteligente como uma habitação para os seres vivos. A visão moderna do universo é tão diferente da visão védica que esta última é, atualmente, difícil de compreender. Em tempos passados, entretanto, cosmogonias similares ao sistema védico eram amplamente difundidas entre as pessoas por todo o mundo. Eruditos da atualidade tendem a imediatamente descartar tais sistemas de pensamento como mitologia, apontando para sua diversidade e para suas estranhas ideias como uma prova de que são todos simplesmente produtos da imaginação.

Se fazemos isso, contudo, talvez estejamos negligenciando importantes informações de algo que poderia lançar luz sobre o vasto e esquecido período que precede à curta extensão da história humana registrada. Certamente há muita evidência de contadores de histórias independentes na tradição de várias culturas, mas há também muitos temas em comum. Alguns desses temas se encontram de forma altamente desenvolvida na literatura védica. Sua presença em culturas ao longo do mundo é consistente com a ideia de que, no passado distante, a cultura védica exerceu influência mundial.

Neste artigo, daremos alguns exemplos de ideias védicas concernentes a tempo e longevidade humana que aparecem repetidamente em diferentes tradições. Primeiramente, examinaremos algumas dessas ideias e, então, discutiremos algumas questões relativas ao que elas implicam e como elas podem ser interpretadas.

Na literatura védica, o tempo é tratado como uma manifestação de Krishna, o Ser Supremo. Como tal, o tempo é uma força controladora que regula as vidas dos seres vivos de acordo com um plano cósmico. Tal plano envolve repetidos ciclos de criação e destruição de variadas durações. O menor e mais importante desses repetitivos ciclos consiste nas quatro yugas, ou eras, chamadas Satya, Treta, Dvapara e Kali. Em tais sucessivas eras, a humanidade gradualmente descende de uma plataforma espiritual elevada para um estado degenerado. Então, com o começo de uma nova Satya-yuga, o estado original de pureza é restaurado e o ciclo recomeça.

A história de Virgo ilustra que, no mundo mediterrâneo antigo, havia uma difundida crença em uma similar sucessão de quatro eras, conhecida por eles como as eras de ouro, prata, bronze e ferro. Nesse sistema, a humanidade também inicia na primeira era em um estado avançado de consciência e gradualmente se degrada. Também neste, os progressivos desenvolvimentos da sociedade humana não estão simplesmente evoluindo por processos físicos, mas são superintendidos por uma inteligência controladora superior.

É válido observar que a história de Aratos especifica o uso de vacas como alimento como um ato pecaminoso que desfaz o contato direto da humanidade com os seres celestiais. Tal detalhe é bastante condizente com a muito antiga tradição indiana de proteção à vaca, mas não é algo esperado no contexto da cultura grega ou europeia.

Uma explicação para similaridades entre ideias encontradas em diferentes culturas é que as pessoas têm, em toda parte, essencialmente a mesma estrutura psicológica e, portanto, tendem, de modo independente, a produzir noções similares. Não obstante, detalhes como o ponto concernente à matança de vacas sugerem que estamos lidando aqui com tradições comuns, e não invenções independentes.

Outro exemplo de similaridades entre culturas pode ser encontrado entre os nativos da América do Norte. Os índios Dacota dizem que seus ancestrais foram visitados por uma mulher celestial que lhes deu o sistema de religião deles. Ela lhes apontou que há quatro eras, e que há um búfalo sagrado que perde uma perna a cada era. No momento presente, estamos na última era, uma era de degradação, e o búfalo tem uma perna apenas. [2]

Esta história é um paralelo bastante próximo da narrativa do Srimad-Bhagavatam do encontro entre Maharaja Pariksit e o touro do Dharma. Ali, é dito que Dharma perde uma perna a cada yuga sucessiva, deixando-o com apenas uma perna na presente era de Kali.

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Foto: O touro da religião com três pernas quebras.

De acordo com o sistema védico, a duração das eras de Satya, Treta, Dvapara e Kali são quatro, três, duas e uma vezes um intervalo de 432.000 anos respectivamente. Dentro desses imensos períodos de tempo, a duração da vida humana é reduzida de 100.000 anos em Satya-yuga para 10.000 anos em Treta-yuga, 1.000 anos em Dvapara-yuga e, finalmente, 100 anos em Kali-yuga.

É claro que esta ideia é deveras estranha dentro da moderna visão evolucionista do passado. No mundo mediterrâneo antigo, no entanto, era amplamente acreditado que a história humana se estendia por períodos de tempo muitíssimo longos. Por exemplo, de acordo com registros históricos antigos, Porfírio (aprox. 300 a.C.) disse que Clístenes, um companheiro de Alexandre na guerra persa, despachou para Aristóteles registros babilônicos de eclipses, e que tais registros cobriam 31.000 anos. Similarmente, Jâmblico (século quarto) disse sob a autoridade do astrônomo grego da antiguidade Hiparco que os assírios haviam feito observações por 270.000 anos e que haviam mantido registros do retorno de todos os sete planetas à mesma posição. [3] Finalmente, o historiador babilônico Berosus especificou 432.000 anos para a duração total dos reinos dos reis babilônicos antes da Inundação. [4]

Não desejamos sugerir que tais afirmações sejam verdadeiras (ou que elas sejam falsas). O ponto aqui é que as pessoas na civilização mediterrânea antiga possuíam uma visão muito diferente do passado em relação à visão dominante da atualidade; e tal visão é amplamente consistente com a cronologia védica.

Embora a Bíblia seja bem conhecida por advogar um brevíssimo espaço de tempo para a história humana, é interessante notar que ela contém informações indicando que pessoas, em dado momento, viviam por cerca de 1.000 anos. No Antigo Testamento, as seguintes idades são atribuídas a pessoas vivendo antes da Inundação Bíblica: Adão, 930; Set, 912; Enos, 905; Matusalém, 969; Lemeque, 777; e Noé, 950. Se excluirmos Enós (que se diz ter sido levado para o céu em seu próprio corpo), essas pessoas viveram uma média de 912 anos. [5]


Foto: Noé, aos 600 anos de idade, segundo a Bíblia, quando prestes a embarcar na arca que construíra.

Após a Inundação, todavia, as seguintes idades são registradas: Sem, 600; Arfaxad, 438; Selá, 433; Éber, 464; Pelegue, 239; Ragaú, 239; Serugue, 230; Nahor, 148; Terá, 205; Abraão, 175; Isaque, 180; Jó, 210; Jacó, 147; Levi, 137; Coate, 133; Aarão, 137; Moisés, 120; e Josué, 110. Estas idades demonstram um decline gradual para a média de 100 anos, similar ao que possivelmente aconteceu após o começo de Kali-yuga de acordo com o sistema védico.

Aqui, devemos mencionar de passagem que a Inundação Bíblica é aceita tradicionalmente como ocorrida no segundo ou terceiro milênio a.C., e a data tradicional na Índia para o começo de Kali-yuga é 18 de fevereiro de 3102 a.C. Esta mesma data é citada como o tempo da Inundação em vários escritos persas, islâmicos e europeus dos séculos VI a XIV d.C. [6]. Como a Inundação do oriente médio veio a se associar com o começo de Kali-yuga? O único comentário que podemos fazer é que esta história mostra quão pouco realmente sabemos sobre o passado.

Em suporte à história bíblica de enorme duração da vida humana em tempos passados, o historiador romano Flávio Josefo citou muitos trabalhos históricos disponíveis em seu tempo:

Agora, quando Noé viveu 350 anos após a Inundação, e todo aquele tempo alegremente, ele morreu tendo o número de 950 anos, mas que ninguém, comparando a vida dos antigos com as nossas vidas, [...] usem a brevidade das nossas no presente como um argumento de que nenhum deles obteve tão longa duração de vida... Agora, tenho por testemunhas daquilo que eu disse todos aqueles que escreveram Antiguidades, tanto entre os Gregos quanto entre os bárbaros, pois mesmo Maneton, que escreveu a história egípcia, e Beroso, que coletou os monumentos caldeios, e Mochus, e Histeu, e, além desses; Hierônimo, o egípcio; e aqueles que compuseram a história fenícia, concordam com o que eu aqui digo: Também Hesíodo e Hecateu, Helanicus e Acusilau, além de Éforo e Nicolau, relatam que os povos antigos viviam mil anos: mas, quanto a essa questão, deixemos que cada um a olhe como considerar apropriado. [7]

Para nosso descontentamento, praticamente nenhuma das obras referidas a Josefo ainda existem, e isto novamente mostra o quão pouco sabemos do passado. Contudo, em existentes sagas nórdicas, diz-se que as pessoas, em tempos passados, viviam por muitos séculos. Além disso, as sagas nórdicas descrevem uma progressão de eras, incluindo uma era de paz, uma era quando diferentes ordens sociais são introduzidas, uma era de crescente violência, e uma degradada “era de punhais e machados com escudos bifendidos”. [8] A última era é seguida por um período de aniquilação, chamado Ragnarok, após o qual o mundo é restaurado à bondade.

O Ragnarok nórdico envolve a destruição da Terra e das moradas dos semideuses nórdicos (de nome Asgard), e, deste modo, corresponde, na cronologia védica, à aniquilação dos três mundos que sucede 1.000 ciclos de yuga, ou um dia de Brahma. É dito que, durante o Ragnarok, o mundo é destruído com chamas por um ser chamado Surt, que vive abaixo do mundo inferior (apropriadamente chamado Hel), e que esteve envolvido na criação do mundo. À guisa de comparação, o Srimad-Bhagavatam (3.11.30) afirma que, ao fim do dia de Brahma, “a devastação se dá devido ao fogo emanado da boca de Sankarshana”. Sankarshana é uma expansão plenária de Krishna que está “no fundo, na base do universo” (Srimad-Bhagavatam 3.8.3), abaixo dos sistemas planetários inferiores.

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Foto: Sankarshana cuspindo fogo no momento da aniquilação.

Há muitas similaridades entre as cosmologias nórdica e védica, mas há também grandes diferenças. Uma diferença marcante é que, no Srimad-Bhagavatam, todos os seres e fenômenos dentro do universo são claramente compreendidos como parte do plano divino de Krishna, a Suprema Personalidade de Deus. Em contraste, na mitologia nórdica, Deus é conspicuamente ausente, e a origem e o propósito da maioria dos personagens no drama cósmico são bastante obscuros. Surt, em particular, é um “gigante de fogo” cujas origens e razões não são claras nem mesmo para os especialistas em literatura nórdica [9].

Alguém talvez pergunte: Se temas védicos aparecem em várias sociedades diferentes, como alguém pode concluir que eles derivam de uma civilização védica? Talvez eles tenham sido criados em muitos lugares de modo independente, ou talvez eles descendam de uma cultura desconhecida que é também ancestral ao que chamamos de cultura védica. Assim, paralelos entre as narrativas de Surt e Sankarshana podem ser coincidências, ou talvez a narrativa védica derive de uma história similar àquela de Surt.

Nossa resposta a esta questão é que evidências empíricas disponíveis não serão suficientes para provar a hipótese de descendência de uma cultura védica antiga visto que toda evidência empírica é imperfeita e sujeita a várias interpretações, mas podemos decidir se as evidências são consistentes ou não em validar esta hipótese.

Se houve uma civilização védica mundial no passado, esperaríamos encontrar vestígios dela em várias culturas ao redor do mundo. Parece que de fato estamos encontrando tais vestígios, e muitos concordam com as narrativas védicas em detalhes específicos, como a localização da morada de Surt ou a perda de uma perna por era universal por parte do búfalo sagrado. Uma vez que esta civilização começou a perder sua influência milhares de anos atrás, no começo de Kali-yuga, esperaríamos que muitos de tais vestígios se encontrassem fragmentados e sobrepostos por muitas adições posteriores, e isso também vemos. Assim, as evidências disponíveis parecem consistentes com a hipótese de uma origem védica.

REFERÊNCIAS

[1] E. C. Sachau, trans., Alberuni's India (Delhi: S. Chand & Co., 1964), pp. 383-4.
[2] J. E. Brown, ed., The Sacred Pipe (Baltimore: Penguin Books, 1971), p. 9.
[3] D. Neugebauer, History of Ancient Mathematical Astronomy (Berlin: Springer-Verlag, 1975), pp. 608-9.
[4] J. D. North, "Chronology & the Age of the World," in Cosmology, History & Theology, eds. Wolfgang Yourgrau and A. D. Breck (N. Y.: Plenum Press, 1977), p. 315.
[5] D. W. Patten and P. A. Patten, "A Comprehensive Theory on Aging, Gigantism & Longevity," Catastrophism & Ancient History, Vol. 2, Part 1 (Aug. 1979), p. 24.
[6] J. D. North, Ibid., p. 316-7.
[7] D. W. Patten, Ibid., p. 29.
[8] V. Rydberg, Teutonic Mythology, R. B. Anderson, trans. (London: Swan Sonnenschein & Co., 1889), pp. 88,94.
[9] Ibid., pp. 448-9.

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